Cultura

O negacionismo da vacina

(*) Fernando Benedito Jr.

O rapaz que trabalha na farmácia disse que não tomou e nem vai tomar a vacina contra covid-19, porque tem outros meios para enfrentar a pandemia. O grau de irritação com a falta de empatia e com a empáfia científica do profissional de saúde me encheu o coração de tal forma (cheguei a pensar que integrava o Gabinete do Ódio), que achei por bem não lhe perguntar que meios eram esses, mas era evidente que falava da Ivermectina, da Cloroquina, do feijão milagroso, do chip chinês, do jacaré bolsonarista. Essas coisas.

– Você está colocando em risco não só a sua vida, mas a dos outros. Se fosse só a sua tudo bem. Eu até defendo o direito a eutanásia, embora noutras situações. Agora, o que não pode é um profissional de saúde dar este mau exemplo às outras pessoas.

Pensei que ele iria me responder que era problema dele (o que não é, já que trata-se de uma questão de saúde pública e envolve todo mundo), mas só me fuzilou furibundo e citou o exemplo que ele tem visto em certos grupos de whatsAap:

– No drive thru do Mineirão mais de 300 pessoas se contaminaram depois de tomar a vacina. – que era mais ou menos dizer que o Tarcísio Meira tinha tomado a segunda dose e morreu assim mesmo. Tentei explicar que a vacina não é infalível, mas que aumenta a capacidade do organismo de criar anticorpos, diminui a gravidade e a letalidade da doença, reduz a circulação do vírus e quebra a cadeia de transmissão, etc. E que os casos de contaminação após a vacina eram menos graves, dispensavam as UTI. Mas não adiantou nada. “Eu tenho meus próprios meios de combater o vírus”, insistiu.

Eu tenho amigos que já morreram de “negacionismo”. E tenho, principalmente, inimigos. Outros passaram apertado. Poderia até apelar para uma “seleção natural” e deixar que a natureza seguisse seu curso, mas não penso que seja nesta direção. O melhor ainda é tentar convencer o sujeito, lutar, combater a ignorância, a desinformação, as fake news. E insisti mais um pouco, no que o farmacêutico colocou um fim na conversa:

– Acho melhor você se informar direito. Ler mais um pouco.

Talvez ele tenha razão e eu esteja completamente errado. São tantos pensando como ele que, às vezes, acho que realmente estou equivocado e não percebi toda a conspiração que existe por trás desta vacina com o objetivo de desestabilizar o governo.

Irritado e desiludido por não conseguir convencer o negacionista (como se isso fosse algo possível), segui onde estava e o rapaz foi simbora para sua farmácia vender remédios milagrosos. E, quem sabe, contaminar alguém.

(*) Fernando Benedito Jr. é jornalista.

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