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A imprensa não tem que ficar em cercadinho nenhum

(*) Fernando Benedito Jr.

Muitas pessoas questionam porque a imprensa insiste em comparecer ao cercadinho do Palácio do Planalto para ser enxovalhada e achincalhada diariamente pelo presidente e seus seguidores. O Palácio do Planalto é um espaço público, local de trabalho, em tese, seu ocupante é uma personalidade pública que deveria estar a serviço da República e de todo o do povo. Portanto, o que ele faz ou deixa de fazer é notícia de interesse de toda a Nação, pois ela pode ser beneficiada ou prejudicada por suas ações (no caso, é mais prejudicada do que beneficiada). É papel da imprensa cobrar, fiscalizar, noticiar e informar a população sobre o que ocorre naquele universo que diz respeito a todos. Cada gasto é feito com dinheiro público, cada gesto atinge o povo, cada palavra tem o seu sentido. A imprensa vai ali a trabalho, em busca da informação necessária para que cada cidadão faça seu juízo de valor sobre os fatos que ocorrem no dia a dia. E “cidadão” não é apenas aquele que apóia Bolsonaro, porque ele nem é essa unanimidade toda. E nem é dono da verdade.  “No dia que vocês tiverem compromisso com a verdade, eu falo com vocês de novo”, disse ele, incitando seus apoiadores. Bolsonaro inverte a lógica, transforma a realidade em fantasia, o fato em fake. Mentiroso contumaz, useiro e vezeiro na arte de ludibriar, vive repetindo que “a verdade vos libertará”. É mentiroso até para mentir. Por isso a imprensa é necessária. É da polifonia que surgirão as versões, senão ficaremos apenas em ruídos e grunhidos. Em mugidos.

Deixar que os ocupantes do Palácio do Planalto façam o que bem entendem, sem dar satisfações a ninguém, sem transparência, desinformando ou simplesmente silenciando, é o mesmo que lhes dar carta branca para cometer desmandos, permissão para matar, para deixar o vírus circular sem avaliar as conseqüências. Podem torturar, matar, desmatar, roubar, xingar palavrões, aproveitar a pandemia para “passar a boiada”, cometer genocídio, e tudo bem. Ninguém vai ficar sabendo de nada e todos serão felizes. É isso o que quer qualquer governo. Seria o melhor dos mundos, principalmente para os déspotas. Seus seguidores, claro, não se importam. Só é bom quando é com os outros. Como os próprios déspotas, não querem ser esclarecidos de nada. Preferem a ignorância, frases e chavões curtos, procurar culpados na outra margem da Esplanada, repetir mentiras à exaustão até que se tornem verdades e permanecerem na escuridão tenebrosa do autoritarismo. Gostam do cercadinho (ou curralzinho, se preferirem), da bajulação e de seguir cegamente o líder.

O presidente dando “banana” para a imprensa pela enésima vez

É neste contexto de absoluto cerceamento da liberdade de expressão, de censura violenta, de ameaças e agressões a profissionais de imprensa, da incompreensão sobre o papel dos veículos de comunicação, que a Globo, Bandeirantes e Estadão decidiram encerrar a cobertura no cercadinho.

Por enquanto são espancamentos, linchamentos de repórteres e cinegrafistas, a mando do presidente. Na outra ditadura, a de 1964, incentivaram as bombas, explosões de bancas de jornais, torturaram e mataram jornalistas nos porões do DOPS, DOI-CODI e Operação Bandeirantes.

A decisão das empresas jornalistas de encerrar a cobertura está correta ao preservar a integridade dos profissionais, evitar as hostilidades. Mas deveria ir mais longe e boicotar este governo de sicários. Só que seria muito fácil, seria o presente dos sonhos. Seria calar a boca, como quer Bolsonaro.

Está correta porque a imprensa não deve se submeter a nenhum tipo de cerceamento e este cercadinho é a manifestação física do tratamento hostil que o governo lhe reserva. Livrando-se desta prisão e das hostilidades de Bolsonaro e seus seguidores, talvez a imprensa consiga ir ainda mais fundo nas investigações sobre este governo de milicianos e genocidas.

Talvez longe dali consigam apurar com mais serenidade o que faz o bando de quadrilheiros quando não está reunido em seu covil para distribuir o butim do saque que estão fazendo no Brasil. Entregando-o ao capital privado e aos amigos com as benções do “glorioso” exército nacional.

(*) Fernando Benedito Jr. é editor do Diário Popular.

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