Cultura

A indignação como resistência

Como minha indignação é maior que meu cansaço, não há outra opção senão seguir lutando até derrotar esse mal, uma tarefa árdua, porque combater a ignorância e a burrice não é coisa fácil

(*) Fernando Benedito Jr.

Na verdade, o que me move é minha indignação, se fosse pelo cansaço já não insistiria mais e deixaria passar em brancas nuvens todas as estultices que tenho visto, ouvido e vivido nestes tempos pós-bolsonarismo. Aliás, intriga-me saber onde estavam estas pessoas até algum tempo atrás. Não sabia que elas existiam e que a direita era tão poderosa assim no País. Acho que não é. Dia desses, nos comentários de uma notícia sobre a morte do miliciano amigo de Flávio Bolsonaro, também suspeito de estar envolvido com o esquadrão da morte que assassinou Marielle Franco, um estúpido disse que ele não deveria ser morto para poder continuar assassinando outras pessoas como Marielle. Quando o Museu Nacional estava ardendo em chamas e depois de Bolsonaro dizer que já tinha queimado e não havia mais o que fazer, um defensor do presidente disse que tudo de ruim que acontece é culpa do Bolsonaro. A juventude que apoia Bolsonaro, se um dia conseguir arrumar um emprego de carteira assinada, aos 30 anos de trabalho, vai ver que a aposentadoria ainda está longe e que o descanso será outro, eterno. É isso mesmo, tem que trabalhar até morrer, defendem. No trânsito, uma família inteira é assassinada por causa de uma pequena rixa, mas o defensor do porte de armas acha que o atirador com a Glock estava certo, tinha que matar mesmo. Sem mesmo saber o que aconteceu. Já nem é mais o caso de se discutir os limites entre civilização e barbárie. Certamente, o problema é outro, mais grave.

Nada contra as pessoas professarem outra ideologia, outro pensamento político e econômico. A diversidade de pensamento, a pluralidade de opiniões, a complexidade social e o respeito às diferenças é o que faz a sociedade se movimentar. Entretanto, o senso comum do cidadão médio, que se manifesta através das redes sociais, é de uma ignorância estupenda. Não estão defendendo um modelo de pensamento, uma ideologia, mas burrice como modo de vida. Estão defendendo matar, avançar o sinal, atropelar, bater na mãe, o linchamento virtual e real, a violência policial, a violência do bandido, a violência eventual, o desmatamento, a invasão de terras indígenas, o preconceito. Não há um padrão de civilidade. Neste sentido, não é demais dizer que tanto para a esquerda, para o centro e para a direita, deveria haver um marco regulatório de civilidade, de urbanidade, de humanidade.

Por exemplo, as chacinas de menores seriam proibidas nos governos de esquerda, centro e direita. O homicídio, o feminicídio, o racismo, o preconceito, também. Representantes de todos os espectros políticos teriam que defender uma pauta mínima de interesses comuns, para que todos sobrevivessem e a selvageria desse lugar ao convívio. Pelo menos.

É certo que não parece uma ideia provável sob o governo de uma extrema direita violenta, que estimula exatamente o contrário, que se origina nas milícias cariocas, que brota da ideia fascista e mistura fanatismo, patriotismo e radicalismo. Quem vai convencer os seguidores de tais ideias que o afeto é possível e o convívio entre diferentes, necessário. É como um mudo falando a outro mudo.

É. Realmente vivemos uma distopia. É só uma vontade de um mundo melhor. Mas como minha indignação é maior que meu cansaço, não há outra opção senão seguir lutando até derrotar esse mal, uma tarefa árdua, hercúlea, senão impossível, porque combater a ignorância e a burrice não é coisa fácil. Mas, vamos lá!

(*) Fernando Benedito Jr. é jornalista e editor do Diário Popular.

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