Foto: Manifestante mostra o manifesto durante ato na posse dos novos vereadores (as) mirins
IPATINGA – A posse da nova Legislatura dos vereadores mirins da Câmara Municipal de Ipatinga foi marcada por um ato em defesa de uma das eleitas, L.S.D.G.A, de 12 anos, que foi vítima de preconceito racial em um órgão da adminsitração pública municipal no ano passado.
Além do ato, foi lançada uma Carta-Manifesto, assinada por várias entidades ligadas à defesa dos direitos humanos e contra o racismo.
A íntegra da Carta-manifesto é a seguinte:
CARTA-MANIFESTO EM SOLIDARIEDADE À L.S.D.G.A.
Titulo I
Art. 3o A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem. (Lei 8069: Estatuto da Criança e do adolescente, Senado Federal, 1990)
Nós, grupos organizados e entidades representativas de Ipatinga, nos solidarizamos com a estudante, L.S.D.G.A que no dia 12 de março de 2021, com apenas 12 anos teve sua dignidade violada por um ato de injúria racial, o que significa que ela foi vítima de racismo, ao se dirigir a uma Unidade da Prefeitura Municipal de Ipatinga para entregar uma chave que estava em posse de sua mãe, a qual estava impedida, devido à pandemia, de se dirigir ao seu local de trabalho por se encontrar em quarentena (suspeita de Covid-19), orientando a filha a entregá-la no setor responsável.
Ao se dirigir ao local de trabalho da mãe, a adolescente ouviu as seguintes palavras “Não atendemos gente dessa cor aqui”, ditas por uma funcionária, Agente de Administração. Apesar de o referido ato/crime ter sido denunciado também junto à Prefeitura Municipal de Ipatinga, em momento algum houve retratação do órgão público ao qual a funcionária está ligada e nem sequer um pedido de desculpas da autora, o que nada significa, pois um ato da magnitude de uma Injúria racial/racismo fere, adoece e muitas vezes mutila para o resto da vida e, em se tratando de uma adolescente, torna-se mais grave porque compromete a forma como ela reinterpretará sua existência a partir desse fato sendo que o racismo interfere no seu desenvolvimento psíquico.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 4°:
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
E ainda no Capítulo II, os artigos 15,16 e 17 nos dão a abrangência de toda proteção devida às pessoas no caso de L.S. ainda uma criança em plena formação
“Do Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade
Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.
Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:
I – ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;
II – opinião e expressão;
III – crença e culto religioso;
IV – brincar, praticar esportes e divertir-se;
V – participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;
VI – participar da vida política, na forma da lei;
VII – buscar refúgio, auxílio e orientação.
Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”.
Segundo a Lei 12.288/2010, o Estatuto da igualdade racial, é
“discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada” (Art. 1º, Parág. único),
É preciso que se torne público que o artigo 5º, XLII, da Constituição da República Federativa do Brasil, estabelece que
“a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”.
E em 2021, o STF equiparou o crime de injúria racial ao de racismo tornando-o imprescritível como ele:
“HABEAS CORPUS. MATÉRIA CRIMINAL. INJÚRIA RACIAL (ART. 140, § 3º, DO CÓDIGO PENAL). ESPÉCIE DO GÊNERO RACISMO. IMPRESCRITIBILIDADE. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. Depreende-se das normas do texto constitucional, de compromissos internacionais e de julgados do Supremo Tribunal Federal o reconhecimento objetivo do racismo estrutural como dado da realidade brasileira ainda a ser superado por meio da soma de esforços do Poder Público e de todo o conjunto da sociedade. 2. O crime de injúria racial reúne todos os elementos necessários à sua caracterização como uma das espécies de racismo, seja diante da definição constante do voto condutor do julgamento do HC 82.424/RS, seja diante do conceito de discriminação racial previsto na Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. 3. A simples distinção topológica entre os crimes previstos na Lei 7.716/1989 e o art. 140, § 3º, do Código Penal não tem o condão de fazer deste uma conduta delituosa diversa do racismo, até porque o rol previsto na legislação extravagante não é exaustivo. 4. Por ser espécie do gênero racismo, o crime de injúria racial é imprescritível. 5. Ordem de habeas corpus denegada.” (HC 154248, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 28/10/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-036 DIVULG 22-02-2022 PUBLIC 23-02-2022).
Apoiamos L.S. e sua mãe em sua luta por entendermos que o racismo deve ser combatido e sua prática, rechaçada. A denúncia feita ainda não recebeu a devida atenção e a tomada de posição pela Prefeitura Municipal de Ipatinga (PMI) em apenas deslocar sua funcionária de setor não mostra empenho em extirpar de vez este mal, este crime que o RACISMO representa em nossa sociedade. Arbitrariedades como estas têm sido recorrentes desta instituição e percebemos que não há vontade política em mudar esta prática, sendo comum observarmos nas escolas o retraimento de estudantes que sofrem racismo e são obrigadas (os) a ficarem caladas (os), intimidadas (os) que são pela direção escolar e quando se torna “violência” a reação natural de quem aguenta calada ou calado todo tipo de ofensa e escárnio não encontra apoio nem mesmo de entidades que deveriam, por lei, defender crianças e adolescentes. Quando chega na mídia é só a ponta do “iceberg”, o pior está no íntimo de meninas negras e meninos negros que, muito raramente, conseguem ser ouvidas (os) e seus responsáveis legais, também fragilizados pela situação, tomem atitude como é o caso da mãe da criança em questão.
Para que nunca mais aconteça, L.S.D.G.A, estamos juntos com você, hoje e sempre!
Ante todo o exposto, por meio deste Manifesto, as entidades representativas e grupos organizados subscritos pedem e esperam que a funcionária cuja conduta foi aqui mencionada, praticante de ato vergonhoso e criminoso de RACISMO, seja exemplarmente punida, se submeta a uma retratação pública por escrito e que seja distribuída Nota às funcionárias e funcionários da Administração pública Municipal, bem como à comunidade escolar, para conhecimento de mães, pais e demais responsáveis, professoras e professores, alunas e alunos, de forma a estancar de vez essa prática, pois acreditamos que atos dessa natureza devem ser levados a público, para conhecimento, e que sejam devidamente estancados.
Bordando por Democracia; Coletivo Aqualtune de Consciência Negra Ipatinga; Coletivo BIL – Coletivo de Mulheres Bissexuais e Lésbicas Trans e Cis; Coletivo de Mulheres do Sindieletro-MG; Coletivo Negro Vale do Aço; Coletivo Roda das Pretas – Cel. Fabriciano; Comunidade Cristã Missão para todos; Educafro Minas Núcleo Atitude; Fórum em Defesa da Vida – Vale do Aço; GT Gênero e Diversidade; Movimento dos Atingidos por Barragens.