Cultura

“Colméia” é um filme étnico com sabor amargo, mas delicioso

(DA REDAÇÃO) – O drama “Colméia” (“Zgjoi” no original, Kosovo, Suíça, Macedônia do Norte, Albânia, 2021, ficção, cor, 84 min), de Blerta Basholli, que assina roteiro e direção, participou da competição Novos Diretores na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, realizada de 21/10 a 03/11/21. Em cartaz no streaming HBO, o filme é vencedor do Grande Prêmio do Júri, do prêmio do público e de melhor direção na seção World Cinema – Dramatic do Festival de Sundance.

Veja o trailer:

No Kosovo do pós-guerra um grupo de mulheres viúvas se reúne para se apoiarem mutuamente, enquanto esperam encontrar os corpos de maridos ou filhos desaparecidos no conflito. Não bastasse o trauma da guerra, das perdas e do luto infindável, elas tem que conviver e sobreviver numa sociedade machista, patriarcal e conservadora em meio à miséria humana e financeira. Este é o pano de fundo da obra.

A região do Kosovo é um enclave étnico nos Balcãs onde convivem muçulmanos, ortodoxos, albaneses, sérvios e croatas. Apesar da crise do pós-guerra as mulheres são impedidas de trabalhar e é neste contexto que Fahrije (Yllka Gashi) decide enfrentar o machismo e fazer o curso de motorista, patrocinado pela associação de mulheres ao mesmo tempo em que cuida de seu apiário e do sogro, Haxhi (Çun Lajçi).

MACHISMO

Enquanto trabalha incansavelmente para conquistar seus objetivos, Fahrije é alvo dos ataques dos homens que passam o dia à toa reunidos no café, a falar da vida alheia.

Fahrije, encarnando a condição da mulher kosovar, torna-se literalmente um alvo. Tem o carro apedrejado, é vítima de assédio e abuso sexual, tem sua produção de aivar destruída, é xingada, repudiada, humilhada e apedrejada nas ruas. Mas segue firme em seu propósito, apesar da impressão de que em algum momento vai desistir, diante de tanta opressão.

PARALELO

A certa altura do filme, a diretora faz um paralelo interessante, intencional ou não, quando no apiário Fahrije é ferroada pelas abelhas. É ela quem extrai o mel, mas é o sogro, como ela, à espera do filho, quem vende o mel na feira, porque a mulher não podem se expor. Com a metáfora, a diretora faz uma analogia perfeita com a situação feminina. E, de resto, com as colméias, nas quais as mulheres kosovares do filme se inspiram para buscar sua liberdade.

Quando míngua a ajuda da entidade de apoio às mulheres Fahrije decide criar uma cooperativa para produzir e vender ajvar (aivar em português) para um supermercado de Pristina. O aivar é uma pasta à base de pimentões vermelhos e temperos  muito consumido na região dos Bálcãs. E aí aumentam as tensões, a inveja e o ódio.

PLAZA DE MAYO

“Colmeia” é um filme sobre a a coragem das mulheres, com uma proposta combativa na luta pelos desaparecidos que lembra em muitos aspectos a luta das mães da Plaza de Mayo, na Argentina. Numa das sequências as mulheres kosovares se reúnem em praça pública para exigir que a Sérvia diga onde estão os cemitérios clandestinos.

“Colmeia” é um filme amargo. Tem o gosto da  realidade, do preconceito e da misoginia. Mas também tem afeto e sororidade. É isso o que importa.

FATOS REAIS

Inspirado em fatos reais, o filme se baseia na história de Fahrije Hoti,embora tenha muitos outros fatos sejam ficticios, sem relação com a vida ou personagens reais. Segundo os créditos finais do filme, as cidades de Krusha e Madhe foram massacradas na guerra do Kosovo em março de 1999 e mais de 240 pessoas morreram ou desapareceram. Vinte anos depois, mais de 1.600 pessoas do Kosovo seguem desparecidas. 64 de Krusha e Madhe. Muitos acham que elas foram jogadas nos rios ou executadas nos bosques. Outros esperam reencontrá-las vivas.

Fahrije Hoti continua administrando seu negócio com sucesso. Ela contratou mais de 50 viúvas de Krusha. Sua empresa, “KB Krusha”, exporta para vários países europeus. Segundo a diretora, na última vez em que viu Fahrije, ela estava negociando exportações para os EUA. O filho e a filha trabalham com ela e herdarão a empresa. O sogro Haxhi já faleceu.

A DIRETORA

Blerta Basholli é roteirista e diretora nascida no Kosovo. Em 2008, recebeu uma bolsa de estudos do programa de graduação em cinema da Tisch School of the Arts, em Nova York, cidade onde viveu por quatro anos. Realizou curtas como “Mirror, Mirror…” (2006) e “Lena dhe Unë” (2011). “Colmeia” é seu primeiro longa-metragem.

Você também pode gostar

PHP Code Snippets Powered By : XYZScripts.com