A meu amigo Cícero, o Buia
“Até quando, enfim, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda este teu rancor nos enganará? Até que ponto a tua audácia desenfreada se gabará?”.
Este é um trecho do Livro I, cap. 1, das “Cantilinárias” de Cícero, que no cargo de Cônsul, descobriu que o senador Lúcio Catilina, organizava uma conspiração para assassiná-lo. Ciente da ameaça, Cícero reuniu o senado e fez o primeiro de seus quatro célebres discursos contra Catilina, conhecidos como “Catilinárias”.
O discurso de Cícero no Senado acabou tornando-se uma referência de correção no exercício do poder público e, passou a ser invocada sempre que um homem público atentava contra o interesse geral da população. O que de pouco valeu naquela Roma corrupta e devassa, já que Cícero acabou decapitado e teve a mão deceptada para que não mais falasse nem escrevesse.
Mas deixou seu recado, por volta de 64 a.C.
Sem dúvida, é muito tempo para que tais exemplos permaneçam na memória e sejam praticados, embora, vez ou outra algum escriba insista em trazê-lo novamente à tona.
Mas é sempre bom realçar estas boas iniciativas toda vez que a República estiver ameaçada por certas pautas inexistentes, temas inventados e crises forjadas pelo governo para fugir ao debate das questões que verdadeiramente interessam e que já deveriam ter sumido definitivamente do noticiário. Mas como são instigantes e provocantes, acabam chamando a atenção.
Mas, não deveriam. Por mais que nos alertem, não vejo nenhuma possibilidade real de um novo golpe no atual contexto. Não estão dadas as condições objetivas para que isso ocorra. O apoio popular de 30% não é suficiente para que se tente um golpe. E a rejeição ao atual governo é muito alta. É muito improvável que o Exército brasileiro se meta numa aventura destas sem nenhum apoio externo – e nem interno. Teriam que torturar e prender gente demais. E por fim, o golpe já está dado e os militares já estão no poder. É para eles a cantilinária.
Com a breve ressalva de que no Brasil as coisas sempre podem piorar. Mas, parece que agora é hora de um novo tempo, depois de um terriível contratempo, de uma longa noite de pesadelos.
(*) Fernando Benedito Jr é editor do DP.