Província geológica da Serra do Espinhaço, considerada a única cordilheira do País, a Serra do Cocais é um patrimônio natural de muitas riquezas e rara beleza que precisa ser preservado
Fernando Benedito Jr.
A Serra do Cocais é um território que preserva muitas riquezas naturais, históricas e culturais, cuja preservação é essencial para o ecossistema e para as pessoas que dependem dele. O principal caminho desta província geológica da Serra do Espinhaço (considerada a única cordilheira do Brasil), atinge uma altitude máxima de 1.200 metros acima do nível do mar e em alguns pontos de sua vertente possui altitudes médias variando entre 500 e 800 metros, que é o caso de vários pontos na Serra do Cocais, seja a partir da subida pela Serra da Viúva, passando pelo povoado do Achado, em Santana do Paraíso, ou por Coronel Fabriciano, até os povoados de Santa Vitória do Cocais, São José dos Cocais e Cocais das Estrelas. A altitude e as correntes de ar mantêm a temperatura entre 22 e 35 graus no verão, chegando até 9 graus no inverno. O clima ameno de serra é propício para o ecoturismo e atividades voltadas à vida ao ar livre e em contato com a natureza. Este clima está presente em menor ou maior grau, dependendo da altitude, em diversas localidades pertencentes aos municípios que fazem parte da Serra, como Santana do Paraíso, Coronel Fabriciano, Ipatinga, Antônio Dias e Mesquita.
AFRODESCENDENTES
Subindo a Serra da Viúva, por Santana do Paraíso, chega-se ao povoado do Achado, onde existem várias comunidades, que, embora não se reivindiquem quilombolas, possuem evidentes traços identitários, antropológicos e culturais de descendentes de populações escravizadas. Estas características podem ser notadas nos costumes como as moradias aglomeradas, em sua maioria formada por familiares, danças (congado, marujada e batuque), músicas e culinária que remetem ao passado afrodescendente.
Além das comunidades de origem afrodescendentes, a região foi ocupada por inúmeros sitiantes egressos da zona urbana, atraídos pelo clima de serra, pela beleza e pela natureza do lugar.
COMUNIDADES
A partir do Achado, comunidade mais populosa do município de Santana do Paraíso na serra, a estrada principal que corta a Serra do Cocais leva aos povoados de Ipaneminha (Ipatinga), Santa Vitória do Cocais, São José do Cocais e Cocais das Estrelas (Coronel Fabriciano), Cubas e Esmeraldas (Ferros) e Soveno e Barra Grande (Mesquita). Outro ponto culminante e interessante da Serra do Cocais, ainda que um pouco fora da rota principal, é a Lagoa do Teobaldo, localizada no povoado do Severo, em Antônio Dias. Emblemática por sua localização a uma altitude de 900 metros, a Lagoa do Teobaldo ocupa uma área em torno de 10 ha, na sub-bacia do Ribeirão Severo, afluente do Rio Piracicaba. Trata-se de uma lagoa em forma triangular, com profundidade máxima de 7 metros na região central e 1,3 metros nas margens. (1)
NATUREZA
Ao longo de todo o trajeto, às margens da estrada ou em recantos mais escondidos é possível ver na Serra inúmeras cachoeiras e quedas d’água, ribeirões, lagoas e outros mananciais hídricos tributários do rio Doce, Piracicaba ou Santo Antônio, que formam a grande bacia hidrográfica do Leste de Minas Gerais.
Ao longo do caminho, dependendo da época do ano é possível apreciar a floração violeta intensa das quaresmeiras, os ipês amarelos e, principalmente, as palmeiras indaiás, cuja beleza verdejante e exuberância podem ter originado o nome da Serra, embora não produzam verdadeiramente cocos, apenas coquinhos dificilmente comestíveis, mas que fazem a alegria de roedores da fauna local como a pacas e cotias. As embaúbas e candeias são outras espécies nativas que se reproduzem em profusão. Nos paredões rochosos existem belas e diferentes espécies de bromélias e orquídeas.
Entre as aves destacam-se pequenos pássaros como a jandaia, maitacas, sabiás, bem-te-vi, trinca-ferro, canários, rolinhas e grandes aves como o jacu, o gavião caracará; animais como pacas, tatus, cotias (que junto com outros roedores são os principais dispersores das sementes de indaiá), veados e onças pardas e pintadas. A diversificada quantidade de pássaros torna a serra um local muito procurado por observadores de aves.
A província geológica da Serra do Cocais abriga muitas espécies de aves, animais e da flora da Mata Atlântica.
A CORDILHEIRA
A Cordilheira do Espinhaço, da qual faz parte a Serra do Cocais, é composta por blocos contínuos de granito com idade superior a 600 milhões de anos. Em grande parte de sua área desenvolveu-se a mineração, no chamado Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais, que vem sendo alvo da exploração do ouro e do minério de ferro desde o século XVII.
O naturalista José Vieira Couto (1752-1827) já havia reconhecido o importante papel desta serra que atravessa Minas Gerais do norte ao sul: “Toda superfície da capitania de Minas Gerais é composta de continuados montes e serrotes, mas entre todos eles sobreleva-se muito esta dita serra, a qual eu lhe chamo a Grande Serra, como a mais principal, e que corta toda capitania do Sul ao Norte. Esta mesma serra pela sua cumeada, sempre encadeada, vai dividindo as águas da mesma Capitania em duas principais: em águas de Leste, que vão todas ao Rio Doce … e em águas do Poente, que vão todas ao Rio de São Francisco.” (Couto 1801) (2)
O Barão de Eschwege, mineralogista alemão que acompanhou a família real portuguesa em sua fuga para o Brasil e foi nomeado por Dom João VI Diretor das Minas em Ouro Preto, foi quem criou a definição de Serra do Espinhaço. Com a incumbência de reanimar a decadente mineração de ouro e para trabalhar na nascente indústria siderúrgica, ainda na condição de Real Gabinete de Mineralogia do Rio de Janeiro, o Barão de Eschwege, em suas expedições científicas por Minas Gerais definiu o conjunto montanhoso não somente como divisor de águas, mas identificou nela também um importante limite geológico e biogeográfico, incluindo também a Serra da Mantiqueira, estendendo-a assim até o Rio Grande do Sul. Posteriormente, Derby (1906) restringiu sua extensão ao segmento entre Ouro Preto e Juazeiro (Bahia), à margem do Rio São Francisco, passando por Minas Gerais, Bahia até o Sul de Pernambuco, praticamente coincidindo com a margem oriental da Bacia Sanfranciscana. Hoje considera-se a Serra das Cambotas, perto de Barão de Cocais, a terminação sul da Cordilheira do Espinhaço, concomitante à distribuição do Supergrupo Espinhaço. Sem nomear as serras, Eschwege já havia mencionado os grandes traços dos divisores das águas numa comunicação anterior (Eschwege 1817). (3)
GEOLOGIA
É interessante registrar que, na mesma época, o naturalista José de Sá Bitencourt Câmara (1752 – 1828, natural de Caeté e irmão mais velho do Intendente Câmara), na sua “Memória mineralógica do terreno mineiro da Comarca de Sabará”, escrita em 1822 (?) (Câmara, 1897), propôs um esquema algo semelhante. Reconheceu o caráter estratificado da “Serra Principal”, que “é o divisor geral das águas do Rio de São Francisco e Rio Doce”, no centro de Minas Gerais. Identificou como principais camadas o xisto argiloso, a mina (isto é, o minério) de ferro especular micaceo, muitas vezes coberto até o cume por um conglomerado ferruginoso (“podingston que os naturais chamam Tapanhoacanga”) e o “gré” (grès, isto é, arenito ou quartzito em francês). Na formação ferrífera chama atenção à jacutinga, um minério de ferro pulverulento, muitas vezes riquíssimo em ouro, que se estende desde de Morro do Pilar até os contrafortes da serra de Vila Rica e Mariana. Apesar de perceber uma seqüência cronológica das camadas: ‘ … e apesar de serem todas quartzosas mostram ao Filósofo as diferentes épocas de sua criação’, não preocupou de correlacioná-las com qualquer sistema europeu”. (4)
A OCUPAÇÃO
Após a instalação da corte no Brasil em 1808, Dom João VI, diante da escassez do ouro e pedras preciosas, tomou uma série de medidas para ocupar as regiões e desenvolver sua economia. Para buscar riquezas auríferas e o minério de ferro essencial à siderurgia, o Príncipe Regente editou a Carta Régia de 1808 que continua duas diretrizes fundamentais: a guerra aos Botocudos do Leste de Minas e os estudos para a navegabilidade do rio Doce.
A Carta Régia cria as Divisões Militares do Rio Doce, que, posteriormente, seriam dirigidas pelo militar francês Guido Marlière, com o objetivo de executar as duas determinações Reais.
Dizia a terceira ordem da Carta Régia:
“Em terceiro lugar, Ordeno-vos que façais distribuir em seis distritos ou partes todo o terreno infestado pelos índios botocudos, nomeando seis comandantes destes terrenos a quem ficará encarregado pela maneira que lhes parecer mais profícua a Guerra Ofensiva, que convém fazer aos índios botocudos e, estes Comandantes, que terão as patentes e soldos de Alferes Agregados ao Regimento de Cavalaria de Minas Gerais, que logo lhes mandareis passar com vencimentos de soldo dessa nomeação, serão por agora: Antônio Rodrigues Taborda, já Alferes; João do Monte da Fonseca; José Caetano da Fonseca Lisardo; João de Fonseca; Januário Vieira Braga; Arruda, morador no Pomba, e se denominarão Comandantes da 1ª Divisão (Joanésia, onde ficava o quartel de Nanenuk), 2ª, 3ª, 4ª (Antônio Dias, onde depois se instalou o quartel de Pertersdorff), 5ª e 6ª Divisão do Rio Doce. Outros quartéis foram se instalando ao longo do rio Doce, como o do Gallo em Cachoeira Escura e o Porto de Canoas, possivelmente logo abaixo do encontro das águas do Piracicaba e Rio Doce.
“A estes Comandantes – autorizava a Carta – ficará livre o poderem escolher os soldados que julgarem próprios para esta qualidade de duro e áspero serviço e em número suficiente para formarem diversas Bandeiras e deixar com que ajam constantemente todos os anos na estação seca de entrarem nos matos, ajudando-se reciprocamente não só as Bandeiras de cada Comandante, mas todos os seis comandantes com suas respectivas forças, e consertando entre o plano mais profícuo para a total redução de uma semelhante e atroz raça antropofágica”(5), dizia o texto que determinava o extermínio dos nativos.
AS LIGAÇÕES
A 1ª Divisão Militar do Rio Doce, no atual município de Joanésia, teve como primeiro comandante o alferes Antônio Rodrigues Taborda. Ele comandava as operações desde a foz do Piracicaba até a barra do Rio Suassí Pequeno. Era responsável pela navegação do Rio Doce e pelo apoio ao tráfego fluvial de comerciantes.
Já 4ª Divisão Militar do Rio Doce, em Antônio Dias, foi inicialmente comandada por João de Fonseca. Operava nas bacias do rio Casca e Piracicaba. Era encarregado de promover a navegação entre esses dois rios, ocupando com colonos suas margens esquerda e direita. Seu controle deveria estender-se também às florestas que então recobriam os vales dos rios Santo Antônio e Piracicaba, bem como toda a região dos rios Onça Grande e Onça Pequena (atual Jaguaraçu, Marliéria e Antônio Dias) e ainda o microvale do ribeirão Mombaça. Em 1818, o comando da 4ª Divisão passou para Lizardo José da Fonseca, que dez anos antes, em 1808, havia sido destacado para comandar a 3ª Divisão nos vales dos rios Casca, Matipó e cabeceiras do Manhuaçu. A Divisão era encarregada do aldeamento dos índios, da segurança das populações de colonos, bem como da resolução de seus litígios (6).
Outras importantes guarnições militares, como o Quartel do Gallo, em Belo Oriente, o Porto de Canoas, na confluência do Piracicaba com o Rio Doce e diversos aquartelamentos e postos de controle militares mantidos ao longo dos rios Doce, Piracicaba e Santo Antônio, remetem à eventuais movimentos de ligação entre estas tropas. As expedições militares e, concomitantemente, de tropeiros e mascates, atravessavam a Serra do Cocais vindos do Serro, Diamantina, Caetés, Sabará, para vender e abastecer de víveres, a partir dos caminhos montanhosos, as primeiras povoações do Leste (Ferros, Joanésia, Mesquita, Taquaruçu – atual Santana do Paraíso –, Cachoeira Escura, Quartel de Dom Manoel, etc) e também até o mar no Espírito Santo durante as frustradas tentativas de navegação do Rio Doce.
Fontes:
(1) Universidade Federal de Minas Gerais Instituto de Ciências Biológicas Laboratório de Limnologia – Relatório Final, Dezembro de 1998. “Estudos limnológicos e sócio-econômicos na bacia de drenagem da Lagoa do Teobaldo, Antônio Dias, MG.”
(2) O “Quadro Geognóstico do Brasil” de Wilhelm Ludwig von Eschwege: breves comentários à sua visão da geologia no Brasil, de Friedrich E. Renger)
(3) Idem
(4) Idem
(5) Carta Régia editada por Dom João VI em 1808
(6) “Legislação Indigenista e os ecos autoritários da ‘Marselhesa’: Guido Thomaz Marlière e a colonização dos sertões do Rio Doce”, de José Otávio Aguiar, Projeto História, São Paulo, n.33, p. 83-96, dez. 2006.