“Quem controla a água controla a vida e
quem controla a vida tem o poder”
(Leonardo Boff– Teólogo brasileiro)
Não há nada de errado que empresas privadas trabalhem pelo lucro, isso faz parte da sua “natureza”. Todo capitalista está aí para amealhar lucros com a venda de suas mercadorias, seus serviços e, não raro, suas almas. Essa é a lei do mercado. Só não se pode admitir que os interesses privados transformem em mercadoria um bem que é público, no caso, a água.
Água não é mercadoria. A água é um bem de interesse humano essencial, um direito fundamental. O acesso à água e ao saneamento básico são direitos humanos e têm que ser garantidos à população. Portanto, o acesso a água não pode ser negado a quem não pode pagar por ela, daí a sua gestão por interesses privados ser uma contradição nos seus termos. Sem água, não existe vida e não há direito mais fundamental que o direito à vida.
DIREITOS HUMANOS
Apesar de a legislação brasileira ainda não a reconhecer, a Resolução das Nações Unidas de 2010 conceituou a água e o saneamento básico como direitos humanos, com amplo apoio dos países membros, inclusive do Brasil. E o marco dos direitos humanos define que são os governos os responsáveis pelo seu cumprimento. Portanto, no campo da água e do saneamento, a presença do Estado é imprescindível.
A água está entre os serviços que, por serem monopolizados (há somente um prestador em cada localidade), requerem forte presença e atuação do Estado para regulá-los, fiscalizá-los e, com isso, garantir o respeito e a realização dos direitos humanos, sobretudo quando esses serviços são explorados pela iniciativa privada que se move pelo lucro e não por qualquer preocupação humanitária. Quando esses serviços são deixados inteiramente sob responsabilidade dos mercados, são sérios os riscos de violação de direitos. Por isto, somos contra a privatização.
PRIVATIZAR NÃO É SOLUÇÃO!
Em dezembro de 2019, foi aprovado o marco legal do saneamento básico, de autoria do governo Bolsonaro. Um marco legal que facilita a transferência de empresas públicas do setor para agentes privados.
Nitidamente, uma lei privatista que modela o setor para uma ampliação da privatização em larga escala. A concepção dessa lei é de regionalizar os estados, formando grupos de municípios, e transferir a prestação dos serviços em cada região para empresas privadas, colocando de lado as companhias estaduais e substituindo serviços municipais como o SAAE de Governador Valadares-MG por empresa privada.
LOBBIES
A aprovação do marco legal do saneamento básico foi precedida pela ação de poderosos lobbies das empresas privadas, influenciando o governo federal e parlamentares e contando com toda a imprensa dominante como seu braço midiático. Os grandes veículos tradicionais de imprensa propalaram a reforma promovida pela lei como a única saída para superação dos déficits em saneamento, para a universalização do atendimento e melhoria dos serviços prestados. Privatizar seria o abre-te sésamo, a saída para todos os males. Isso sem dar voz a opiniões dissonantes e olhar para fora da janela para ver que a privatização fracassa aqui e em todo o mundo e a gestão da água vem sendo (re)estatizada em vários países.
Estudo do Instituto Transnacional (TNI), centro de pesquisas com sede na Holanda, constatou que, nas duas primeiras décadas de século XXI, 312 cidades em 36 países (re)estatizaram seus serviços de tratamento de água e esgoto. Dentre elas, Paris (França), Berlim (Alemanha), Buenos Aires (Argentina) e La Paz (Bolívia).
SE PRIVATIZAR A TARIFA VAI AUMENTAR!
Para reverter a privatização, entre os motivos alegados por esses países estão: aumento abusivo das tarifas, não cumprimento das promessas de universalização do atendimento. Quando se transforma água em mercadoria, aqueles territórios mais empobrecidos, são penalizados. A lógica, quando você tem a água como uma commoditie, é completamente contrária ao atendimento às populações mais vulneráveis. E ainda existem problemas como falta de transparência, o que dificulta o monitoramento e a fiscalização do serviço pelo Estado.
Os exemplos dos fracassos das privatizações são claros (veja o caso da luta pela água em Ouro Preto-MG) e mostram que a luta em defesa da água como bem comum, um direito humano, tem que seguir firme. Pois não é de hoje que a água está na mira do privatismo neoliberal. Seja por leis federais, como o marco regulatório aprovado em 2019, seja por ambições políticas inconfessáveis como as do governador de Minas Gerais.
NA SURDINA
Mas, na contramão de tudo que o fracasso internacional da gestão privada da água recomenda, o Vale do Aço, sem qualquer informação e consulta à população, vem preparando, na surdina, as condições para a privatização da água nas cidades da Região.
Cidades do Vale do Aço, seguindo a onda neoliberal estimulada pelo privatista marco legal, vem preparando a privatização, aprovando leis, criando seu Consórcio Regional, tomando iniciativas que as adequem ao marco legal para a transferência dos serviços de água e esgoto, hoje prestados pela COPASA, empresa pública mineira, para os negócios privados, sinalizando que nossa luta em defesa da água como bem comum, aqui no Vale, será árdua.
A intenção privatista vem se mobilizando no Vale do Aço, há tempos. Os prefeitos das quatro cidades no núcleo da Região Metropolitana do Vale do Aço, o denominado G4 – Ipatinga, Coronel Fabriciano, Timóteo e Santana do Paraíso – se reuniram em 6 de dezembro de 2021, para debater a privatização do serviço de água e esgoto.
Naquela reunião, os prefeitos do G4 definiram que os municípios fariam, através de um Consórcio, uma “regionalização para privatização”, em obediência ao marco legal aprovado, e criariam uma Agência Reguladora Regional. Segundo eles, a Arsae-MG (Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário) não tem prestado um bom atendimento. A proposta do G4 é abrir uma nova licitação para que empresas privadas possam assumir o serviço de água e esgoto nas cidades da Região.
Para entregar o controle da água para investidores privados– atrelando esse recurso essencial a interesses do mercado, os governos têm usado o argumento de que a gestão privada garante a mais rápida universalização do acesso ao serviço. Argumento fartamente contrariado pelas experiências nacionais e internacionais de gestão privada dos serviços de água e esgoto.
PÚBLICO X PRIVADO
Não há evidências de que a universalização ocorra mais em modelos privados do que em modelos públicos de prestação de serviços. Ao contrário, como as empresas privadas buscam maximizar seus lucros, há uma maior resistência em colocar serviços em zonas rurais e cidades de menor porte, mas sobretudo em vilas e favelas, locais onde vivem populações com mais baixa capacidade de pagamento, onde há também maiores dificuldades urbanísticas para a implementação dos serviços.
O fato é que o novo marco legal privatista do saneamento básico vai privilegiar os empresários, principalmente empresas estrangeiras, que estão prontas para explorar nosso território. As experiências de privatizações da água em todo o mundo têm provado que a empresa privada não é necessariamente melhor que empresa pública.
CONSEQUÊNCIAS
A mudança de controle da gestão pública para a privada traz como consequências: a) aumento do preço das tarifas, já que sua função primordial com a exploração capitalista da água é assegurar o lucro e não a prestação do serviço; b) diminuição da qualidade do serviço; c) produção de territórios sem acesso ao serviço, por não serem rentáveis, como áreas rurais e periféricas dos centros urbanos.
Ipatinga rumo à privatização da água
O caso de Ipatinga é esclarecedor da pressa privatista que ataca certos gestores públicos no Vale do Aço. Tão logo o atual contrato com a COPASA se encerrou em 7 de fevereiro de 2022, a Câmara aprovou projeto de Lei de iniciativa do Executivo (Lei nº 167/22) que transfere para o município a exploração direta dos serviços públicos de captação, adução, tratamento e fornecimento de água. Com a Lei, cabe ao Município, também, a instituição de agência reguladora própria, ao estabelecer que “fica o Poder Executivo de Ipatinga autorizado a se desvincular da atual agência reguladora do Estado (Arsae-MG) até que seja criada a agência reguladora municipal”. Desejo já manifesto na reunião dos prefeitos dos municípios do núcleo metropolitano, realizada em dezembro de 2021.
O texto da Lei abre, ainda, a possibilidade de se conceder a exploração do serviço de água e saneamento a empresas do ramo, ao afirmar que “a exploração poderá se dar pela administração direta, terceirização no modelo de contratação de serviços, concessão pública ou parceria público-privada (PPP)”.
Em sua mensagem o Executivo não consegue ocultar suas preferências e intenção privatista ao afirmar que “nova concessão torna-se, imprescindível após o vencimento do contrato do município com a COPASA, empresa que tem a responsabilidade de dar continuidade aos serviços que vem prestando, até que a empresa vencedora do certame assuma a atividade, sem prejuízo aos munícipes”, diz o documento.