(*) Walber Gonçalves de Souza
Em meio à grota, envolto pelo verde da mata e orquestra dos pássaros situava uma pequena casa, com a arquitetura típica das moradias rurais. Armada com troncos robustos manualmente plainados, paredes de barro embranquecidas com cal, janelas e portas de madeira tingidos pelo azul escuro e as telhas cumbuca iniciando seu traçado pela cumeeira encobriam o lar e completavam a imagem daquele cenário.
A família era simples, porém extensa, Sô Manoel e Dona Sebastiana dividiam a casa com sua prole numerosa, eram doze filhos, sendo sete homens e cinco mulheres. Mas na casa a família nunca estava sozinha, sempre tinha alguém de outros cantos fazendo, mesmo que por uns dias, o seu abrigo.
Depois de mais um dia de lida, Sô Manoel, ao raiar do sol chega em casa cansado, faminto e ao pisar o terreirão, que cercava sua casa, percebe vindo ao seu encontro os seus entes queridos e logo atrás Bili, o cachorro da família, abanando sua cauda. Cena que se tornou comum ao longo dos anos.
Mas naquele dia uma surpresa inesperada estava aguardando o patriarca da família. Dona Sebastiana com aquele olhar de felicidade e espanto anunciou baixinho, meio que ao pé do ouvido a boa nova, que estava gestando mais um filho do casal.
Meio que paralisado, atônito, Sô Manoel sentou-se no banco que estava próximo ao fogão de lenha, olhou para todas as direções, visualizou as panelas, algumas das crianças que ainda o rodeavam, abaixou a cabeça e pela primeira vez deixou transparecer em forma de lágrimas a sua emoção. Levantou-se, caminhou até a janela e olhou para o seu quintal e viu lá no fundo a porteira que delimitava o seu rancho.Chamou Dona Sebastiana que até então estava quieta e ansiosa pela reação do esposo, ao aproximar da janela, sentiu-se tocada e ouviu as primeiras palavras após o seu anúncio, saindo da boca do seu companheiro.
Você está vendo aquela porteira? Daqui alguns meses terei que ter mais força, pois ao passar por ela, mais uma criança estará correndo em direção aos meus braços.
Naquele instante o cansaço e a fome pareciam ter ido embora. A emoção era tão intensa que fazia brotara sensação indizível do amor conjugal. Parecia que aquela criança seria o primeiro filho do casal.
Criar treze filhos não foi uma tarefa fácil, as horas de trabalho acompanhavam os raios de sol. Mas do fogão a lenha nunca faltou o necessário para que todos crescessem e tivessem força para buscarem seus caminhos.
Não foi fácil também educá-los. Treze filhos representam gerações diferentes, enquanto uns são jovens, adolescentes, outros ainda são crianças. Mas o casal, humilde e firmemente conseguiu conduzir cada um dos seus filhos pelo caminho que eles acreditavam ser o humanamente correto, formando cada um deles com valores e princípios.
Aos poucos, seguindo o ritmo natural da vida, um a um dos seus entes queridos e amados foi saindo de casa. Cada um com o seu jeito e personalidade foi dando cor à sua própria vida. Mas todos, sem exceção, levaram enraizados no seu ser os ensinamentos dos seus pais. Uns se tornaram profissionais liberais, outros funcionários públicos, dois reconhecidos empresários… mas todos eram reconhecidos como os filhos do Sô Manoel e Dona Sebastiana.
Passadas algumas décadas, em um fim de tarde de verão, sentados no alpendre da sede do rancho, aquele casal com os sinais da idade, vê passando pela antiga porteira um carro. Era um dos seus filhos trazendo com ele a sua família. Os netos ao avistarem os seus avós, saíram correndo e pularam no colo deles. Quase os derrubaram, com tantos beijos… os dentes escancarados demonstravam a alegria do encontro.
Um dos netos, o mais velho dos três, carinhosamente pediu à vovó que preparasse aquele biscoitinho delicioso que só a vovó sabia fazer. Depois do pedido ela calmamente levantou-se e foi atender ao capricho dos netos, que a seguiram sorridentes.
Restaram os dois na varanda, pai e filho, e quebrando o silêncio o filho disse ao pai: Papai hoje olhando para os meus filhos eu entendo mais do nunca o valor daquele ensinamento simples que o senhor sempre nos ensinou, o valor do “fio de bigode”. O silêncio por um instante voltou, o suficiente para que mais uma vez escorresse pelo rosto do Sô Manoel mais uma lágrima. A lágrima do dever cumprido.
(*) Walber Gonçalves de Souza é professor e escritor.