O comércio tem que aprender as lições da pandemia e substituir a falta de escrúpulos por um conceito de negócios locais justos, honestos e responsáveis
(*) Fernando Benedito Jr.
Não é sobre lucro ou manutenção do emprego. Não é sobre manter a roda da economia girando. É sobre a vida agora e no pós-pandemia, sobre um novo conceito dos negócios locais, justos, honestos, responsáveis. Neste trágico momento em que os casos de contaminação pelo novo coronavírus e as mortes por covid-19 disparam é que podemos, infelizmente, ver melhor o quão atrasados e retrógrados estão alguns conceitos, ainda unicamente focados no lucro, numa visão capitalista da pior estirpe, porque desumana, cruel, insensível, lastreada na exploração, ainda que ao longo dos tempos pré-pandemia tenha discutido mil reengenharias, tenha tentado se reinventar e se reagrupar para enfrentar as crises cíclicas e imprevistas do capitalismo. Parece que não aprendeu nada.
Lamentavelmente, no Vale do Aço, o melhor mau exemplo veio do setor comercial, das entidades representativas da classe empresarial, dos setores pequenos e médios, dos lojistas, seja das cadeias e franquias de shopping, às bancas de vendedores de quinquilharias. Todos “grandes” empreendedores, sem os quais não há sociedade. A pressão exercida sobre os poderes públicos para que reabrissem as portas e retomassem as atividades econômicas antes da hora, foi só uma pequena demonstração do atraso que precisa ser superado, da quebra de paradigmas que precisa ser feita se quisermos ter uma economia socialmente responsável, justa e sustentável. Decente.
O que se viu foi um discurso e sua insistente reprodução, colocando os negócios, ainda que pequenos, acima da vida. Os empregos acima da saúde das pessoas. A repetição exaustiva, capitaneada pelo presidente da República, de que o isolamento social e a paralisação das atividades econômicas causaria mais estragos que o coronavírus, que o remédio era mais mortal que a doença. Contra os decretos estadual e municipal que estabeleceram as medidas de contenção do vírus, entidades como Aciapi, CDLs, Sindcomércio, associações comerciais de Coronel Fabriciano e Timóteo se insurgiram aguerridas em defesa de seus interesses classistas (e tão menos preocupados com a morte dos consumidores, seu principal elo na cadeia), sob o argumento de que era preciso evitar a morte dos CNPJs, como se o mundo fosse se acabar por isso. Não vai se acabar por isso, vai se acabar pelo atraso de quem pensa assim, porque quem pensa e age desta forma não se preocupa com o consumo sustentável, defende o consumismo pelo lucro. Não se importa com vidas, com florestas, com meio ambiente, nem com empregos (porque a mão de obra é substituível), com nada a não ser seus próprios e mesquinhos interesses. Se não foi esta a intenção, foi isso o que os comerciantes regionais e brasileiros demonstraram nesta hora trágica.
A falta de escrúpulos ficou evidente em diversas ações em defesa da reabertura do comércio e na falta de ações responsáveis para evitar a disseminação do vírus. Tal como os bancos que exigem que milhares de pessoas se exponham ao vírus fazendo a identificação digital nos caixas eletrônicas, sem disponibilizar sequer o álcool em gel para a descontaminação, porque não podem abrir mão de seus lucros, não se viu nenhuma ação do setor comercial. Distribuíram máscaras para seus filiados e pregaram cartazes, quando muito. Afinal, já estão fazendo demais gerando emprego, pagando impostos, “gerando riquezas”. Nem um ato de solidariedade, nenhuma doação.
É disso que se trata. E é isso que precisa mudar, seja mudando os conceitos das pessoas que estão à frente destas empresas e das instituições que a representam, mudando as pessoas ou mudando as próprias instituições.
No pós pandemia, a economia precisa ser revigorada com novos conceitos, mais arejados e mais justos. Não pode continuar assim, esse capitalismo brutal. O comércio também vai precisar ser mais solidário se quiser sobreviver dignamente ou se juntar à lista suja daqueles que já começam a sofrer boicotes em função de sua truculência e falta de sensibilidade.
(*) Fernando Benedito Jr. é editor do Diário Popular.