Cidades

MPF apura colaboração de siderúrgicas mineiras com a repressão da ditadura

Foram instaurados dois inquéritos civis para investigar responsabilidades da Belgo Mineira e da Mannesmann com relação a violações de direitos humanos ocorridas naquele período

BH – O Ministério Público Federal (MPF) instaurou dois inquéritos civis para apurar eventual responsabilidade das Companhias Siderúrgicas Belgo Mineira e Mannesmann às violações de direitos humanos ocorridas no período da ditadura militar, por meio de colaboração com os órgãos de repressão estatais.

Embora tenha ficado fora das investigações, a Usiminas (Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais S/A), em Ipatinga, foi uma das empresas mais envolvidas com o regime militar. À época sob controle estatal, a Usiminas foi responsável por um massacre em 7 de outubro de 1963 que vitimou inúmeras pessoas e deixou um grande número de feridos. Segundo estudos posteriores (durante muito tempo o massacre foi mantido em sigilo e era um assunto tabu na cidade), a chacina foi uma maneira de mostrar força e sinalizar qual seria a reação do regime em caso de oposição e manifestações da classe trabalhadora.

Além do massacre de 7 de outubro, a Usiminas mantinha um serviço próprio de inteligência, articulado com o Serviço Nacional de Informações (SNI), que vasculhava e violava a vida privada de trabalhadores e integrantes da comunidade. Seus principais alvos eram políticos e ativ istas ligados a partidos e movimentos de esquerda.

COMISSÃO DA VERDADE

As investigações decorrem do relatório final dos trabalhos realizados pela Comissão da Verdade em Minas Gerais, segundo o qual a Belgo Mineira e a Mannesmann apoiaram política e financeiramente a ruptura institucional causada pelo golpe de Estado de 1964, e, após a implementação da ditadura militar, colaboraram ativamente com a repressão política exercida contra os seus próprios trabalhadores, especialmente no contexto do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de João Monlevade, município situado na região sudeste do estado.

DEMISSÕES COERCITIVAS

De acordo com o relatório final da Comissão da Verdade-MG, o aparato interno de repressão da Belgo Mineira tinha ligações com o aparelho de repressão do regime militar, e logo após o golpe militar, “demitiu, de forma coercitiva, cerca de 74 operários acusados de serem agitadores, embora todos eles, contratados em regime da CLT, tivessem estabilidade de emprego”. O documento também relatou que “os trabalhadores eram forçados a assinar rescisões contratuais sob a mira de metralhadoras e sofrendo humilhações”.

MANNESMANN

Na Mannesmann, que também possuía o mesmo aparato interno de repressão ligado ao regime militar, os funcionários “foram aprisionados, dentro da própria empresa, pelo Ten. Schmitz e Pol. Gustavo, da Patrulha Volante, como constatado no Boletim de Ocorrência 8684”, pelo simples fato de tais operários serem qualificados como “líderes agitadores no movimento”.

EMPRESÁRIOS GENERAIS

No despacho de instauração dos inquéritos civis, o MPF, ainda citando a Comissão Nacional da Verdade, lembra que a aliança do empresariado com o regime autoritário que vigorou no Brasil até 1985, tinha por alvo reprimir a organização dos trabalhadores e, por isso, “os movimentos sindicais constituíram o alvo primordial do golpe de Estado de 1964, das ações antecedentes dos golpistas e da ditadura militar”.

INFILTRAÇÃO

Para efetivar tal parceria, agentes da repressão foram infiltrados entre os operários, com estreita colaboração entre a nova burocracia sindical e os órgãos de repressão, bem como instituição das Assessorias de Segurança e Informação (ASI) no interior das empresas estatais e dos setores de RH das empresas privadas e o fornecimento de “listas negras” para o Dops e para o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI)”.

FIAT

Outra empresa já vem sendo investigada há cerca de três anos pelo MPF em razão dos mesmos fatos. Trata-se da Fiat Automóveis S.A., grupo internacional que se instalou no Brasil em 1976, durante a ditadura militar. De acordo com relatório da CNV, a Fiat colaborou com o sistema de repressão do governo militar em troca de informações sobre o movimento sindical, nos mesmos moldes do comportamento adotado pelas siderúrgicas.

EM BUSCA DE PROVAS

A apuração consiste em buscar provas materiais sobre essa colaboração, identificando, se possível, os responsáveis e as vítimas. Entre as primeiras informações, já se tem conhecimento sobre as facilidades econômicas e fiscais conferidas pelo Estado brasileiro à implementação da Fiat no país, a participação de militares no corpo de empregados da segurança da empresa e a constituição de um sistema complexo de vigilância e informação dentro da Fiat para coibir as práticas políticas de seus empregados.

JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO

A atuação do MPF, fundamentada na legislação nacional e internacional de proteção aos direitos humanos, atende também aos princípios da Justiça de Transição, que, para ser efetiva, deve apoiar-se no direito à memória e verdade, na garantia de não repetição, na reparação das vítimas e na punição dos responsáveis.

Em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao condenar o Brasil por violações perpetradas durante o regime militar no caso Gomes Lund, determinou que o Estado brasileiro deve continuar desenvolvendo as iniciativas de busca, sistematização e publicação de toda informação relativa a violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar.

(Belgo Mineira: IC nº 1.22.000.001545/2022-34; Mannesmann: IC nº 1.22.000.001546/2022-89)

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