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Mortes de educadores por covid-19 apontam riscos do ensino presencial

Em sala de aula ou fora dela, covid-19 faz baixas entre educadores, interrompe trajetórias e descortina a falta de responsabilidade e cuidados com a retomada do ensino presencial

IPATINGA – Nazareth Garcia dos Santos, Francisvaldo Feitosa, Ricardo Caciquinho, Renato Napoleão, Cláudia Maria Mateus, professora Poliana. Estes são trabalhadores e trabalhadoras da educação de Ipatinga que perderam a batalha e a vida para a covid-19. Suas mortes causaram danos irreparáveis às famílias, aos amigos, pela competência de seus trabalhos, pelo carinho e generosidade com seus alunos, pela perda intelectual que representam para a educação. O caso de Nazareth Garcia dos Santos ganha mais notoriedade pela fato dela pertencer a uma escola onde havia sido detectado um foco de contaminação de covid-19, amplamente denunciado pelo sindicato da categoria e por uma audiência realizada pela Comissão de Educação da Assembléia Legislativa de Minas Gerais.

GENTE

Desde o início da pandemia, o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação vem lutando pelo distanciamento, pela manutenção do ensino remoto, contra a abertura das escolas sem as devidas medidas de biossegurança e por vacina urgente para todos e todas. Infelizmente, este não foi o caminho escolhido pelos governos, por ampla maioria dos vereadores da Câmara Municipal e diversos outros segmentos sociais.

Lamentavelmente, a cidade caminha para 750 mortos pela covid-19. Outras vítimas ficam com sequelas que causam danos severos e as impede de seguir atuando na educação e mesmo ter uma vida normal. São pais e mães de famílias, irmãos e irmãs, avôs e avós, filhos e filhas, com nomes, sobrenomes, sentimentos, que deixam legados e sonhos interrompidos de forma súbita por um vírus mortal e, pior, pela negligência daqueles que deveriam cuidar da saúde e da vida das pessoas, mas preferem desprezá-las com medidas inconsequentes e irresponsáveis.

A professora Nazareth Garcia dos Santos Dias, vítima fatal da covid-19: escola onde ela lecionava foi denunciada por ser foco de contaminação

NAZARETH

No último dia sábado (22) morreu em decorrência de covid-19 a professora Nazareth Garcia dos Santos Dias que lecionava na Escola Municipal Evaldo Fontes, no bairro Furquilha, onde foi registrado surto de contaminação na semana passada.

A Prefeitura de Ipatinga, que insistiu na reabertura da EM Evaldo Fontes, mesmo após constatado o surto e convocou reunião presencial com os professoras dias depois, antes mesmo do período de quarentena necessário em situações como esta, emitiu nota de condolências.

CUIDADO COM A POPULAÇÃO

Para a vereadora Cida Lima (PT) não se trata de discutir onde a pessoa se contaminou ou como se contaminou, trata-se de ter cuidado com a população. “Nós sabemos que o ensino remoto não é o ideal, porque a escola, a educação pressupõe envolvimento, interação. É assim que se dá o aprendizado. Contudo, neste momento é necessário que o poder público invista no ensino remoto até que a situação nas escolas esteja menos complicada e elas possam funcionar em segurança”, defende.

VIDAS NÃO SÃO NÚMEROS

A diretora do SindUTE, Isaura Carvalho, manifestou pesar pela perda da professora Nazareth Garcia e criticou a política negacionista e a negligência do governo municipal. “O Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sindute), Subsede de Ipatinga, manifesta  suas condolências aos familiares e amigos da companheira Nazaret Garcia professora da rede municipal, vítima de covid-19 neste final de semana. Aqui a gente vem responsabilizar os governos federal, estadual e municipal, por insistir na política negacionista e de negligência”, criticou.

Conforme Isaura “vidas não são números”. “Reiteramos as diversas solicitações já feitas à administração municipal, por meio da Secretaria de Educação, para que haja os devidos investimentos, a fim de que sejam retomadas as atividades remotas de modo a garantir o direito a educação a todos os estudantes e, acima de tudo, o direito à saúde e à vida de toda a população. Nós do Sindute permanecemos visitando as unidades escolares, verificando o cumprimento dos protocolos, e faremos todas as denúncias cabíveis contra o descumprimento dos protocolos ou riscos a que estiverem sendo submetidos os profissionais da educação, os estudantes e toda a comunidade escolar”, adiantou.

FRANCIS, PRESENTE

Outra perda muito lamentada no meio educacional foi a do professor Francisvaldo Feitosa, também conhecido como Francis, em decorrência de complicações da Covid 19, no último dia 25 de abril.  Francisvaldo era formado em Letras e ensinava Português. Ele também atuava na liturgia da Igreja Católica, comunidade São Jorge, da Paróquia Cristo Redentor. A comoção por sua morte foi muito grande na cidade, principalmente na comunidade escolar e entre alunos que o amavam.

Nas redes sociais, o Colégio São Francisco Xavier divulgou uma nota de pesar e decretou luto oficial de três dias em todas as unidades. “Francisvaldo era muito querido por toda equipe do CSFX, onde atuava. Com o seu jeito simples, amável, comunicativo, alegre e brincalhão, Francis, como era carinhosamente conhecido entre colegas e alunos, levava luz a todos lugares por onde passava”, diz a nota.

A historiadora Marilene Tuler e o professor Francisvaldo Feitosa, o Francis, que faleceu em 25 de abril deste ano

TRAGÉDIA ANUNCIADA
A professora aposentada, historiadora e escritora Marilene Tuler, diz que no caso de Ipatinga, a morte de trabalhadores e trabalhadoras em educação é “uma tragédia anunciada”. “Os vereadores, num ato de completa irresponsabilidade com o interesse coletivo, permitiram que ocorresse a reabertura das escolas para aulas presenciais. E pensar que o projeto de lei foi apresentado por um vereador que carrega o nome de Professor!”, criticou.

Tuler salientou ainda que “para o retorno das aulas presenciais, seria necessária a implementação de um conjunto de medidas para garantir a segurança tanto dos profissionais da educação quanto dos alunos… medidas estas que não foram adotadas pelos responsáveis, ou seja, pela prefeitura municipal”.

PERGUNTAS

Sobre a retomada das aulas presenciais, Marilene Tuler faz uma série de questionamentos: “A Secretaria de Educação realizou testagem antes do retorno às aulas, de alunos e profissionais?, a Prefeitura garantiu vacinação contra covid para os envolvidos?, está sendo realizada a medição da temperatura dos alunos ao chegarem às escolas?,  o Poder Público garante as condições de distanciamento social de, no mínimo, 1,5 entre os estudantes?, estão fornecendo máscaras e álcool em gel em quantidade suficiente para as escolas?,  no caso da Escola Municipal Evaldo Fontes, quais foram as atitudes do Sr. Prefeito ao constatar a contaminação de diversos funcionários?” – indaga Tuler, explicando que embora não esteja morando em Ipatinga vem acompanhando as notícias sobre a cidade através de jornais, das redes sociais e de conversas com muitos amigos que tem na cidade. “A indignação é imensa pelo descaso, pelo negacionismo, pela incapacidade dos gestores de adotarem medidas efetivas para controle da pandemia”, conclui.

TRAJETÓRIAS INTERROMPIDAS

Em 4 de maio a rede pública de ensino perdeu a alegria e jovialidade de Ricardo Caciquinho, assistente técnico de Educação Básica na E.E. Engenheiro Amaro Lanari, no bairro Ideal, em Ipatinga. Professor de dança de salão no estúdio Ricardo Costa Dança de Salão, ele já havia feito estágio na Prefeitura Municipal de Ipatinga de no Colégio São Francisco Xavier. Buscava consolidar sua formação em psicologia, mas teve a carreira bruscamente interrompida.

No ano passado morreu a auxiliar de serviços na Escola Levindo Mariano, Cláudia Maria Mateus. Ela deixou a escola doente para nunca mais voltar.

Conforme a vereadora Cida Lima, a reabertura das escolas para o ensino presencial exige alguma condições. “É fundamental que a população esteja vacinada, que as escolas tenham condições de receber, que tenha o quadro de profissionais completo. O que a gente vê hoje é que os profissionais estão sobrecarregados porque não tem quem ministre o ensino remoto. Quem está nas escolas está ministrando aula presencialmente”.

A parlamentar salienta ainda que o acesso ao ensino vem sendo cada vez mais comprometido. “Além disso, há a negação do acesso à educação. Os estudantes que optaram pelo ensino remoto não estão tendo acesso à educação porque não tem profissionais para dar estas aulas”, afirma.

Cida Lima: o acesso ao ensino está cada cada vez mais comprometido

ESCOLAS E CONTÁGIO

Cida Lima avalia ainda o cenário epidemiológico no município e como a reabertura das escolas e o ensino presencial contribuem para piorar a crise sanitária: “Nós sabemos que com as escolas funcionando, aumenta o número de pessoas circulando, as escolas chegam a todas as famílias, com o revezamento de estudantes, em contato com os trabalhadores de educação aumentam as possibilidades de contaminação, esta possibilidade é muito maior”.

Ela exemplifica, dizendo que “desde o início do ano quando se começou a falar sobre a volta as aulas, temos discutido com os trabalhadores da educação sobre a necessidade de tomar todos os cuidados e propiciar o isolamento da população”.

“Após a retomada das aulas presencialmente em 10/05 – lembra a vereadora -, tínhamos em Ipatinga 721 óbitos, um número muito alto, mais que o dobro do ano passado todo. No último dia 22 somávamos 744 óbitos, em 12 dias, com as escolas funcionando foram 23 óbitos a mais. Uma situação muito difícil porque até então não tínhamos testagem, ficamos sabendo que chegaram kits, mas soubemos também de casos de escolas que tinham grande números de contaminados e tiveram que pagar os testes. Não temos testes, as condições do HMI e de saúde no município estão precárias e a volta às aulas presencialmente somente agrava a situação”, avalia Cida Lima.

Conforme ela o mandato tem buscado o diálogo junto ao governo, junto à Secretaria Municipal de Educação para acompanhar, fiscalizar e buscar caminhos para a situação no que diz respeito às condições de trabalho dos educadores; e dos estudantes, principalmente em relação ao acesso ao ensino. “Além de estarem sobrecarregados os profissionais também estão fragilizados e até desnorteados porque não há uma orientação do governo, não houve um planejamento adequado, com ações que propiciem a volta de maneira segura às escolas”, conclui.

O professor Renato Napoleão, vítima de covid-19 em setembro no ano passado

VIDAS À BEIRA DO CAMINHO

Em 2 de setembro do ano passado morreu o professor de Geografia na Escola Nilza Luzia Butta, Renato Napoleão. Ligado ao movimento Renova BR, tinha uma carreira educacional e política pela frente. “Desde muito cedo, Renato teve a compreensão do quão importante era a política para transformar a sociedade. Como professor, sua conexão com o Brasil mais vulnerável se acentuou nos últimos seis anos. Foi a convivência com alunos com todas as formas de carência, desde afetiva até a comida que não chega a mesa, que o motivou a querer entrar pra política e fazer a diferença na vida das pessoas”, dizia a nota de condolência do Renova BR. Mais um futuro e um carreira interrompida pela covid-19.

A professora Poliana, do CSFX, outra vítima fatal; e Dinalva Lima que teve covid-19 com graves sequelas e não teve a devida atenção pela Prefeitura de Ipatinga, são alguns dos nomes que compõem a triste lista de vítimas e deixam sua contribuição e seu legado para a educação ipatinguense. Quantas vidas mais serão perdidas nesta batalha, não se sabe. Mas é certo que quanto mais demorar a vacina para todos, quanto mais negacionismo e negligência com a vida humana, mais vidas ficarão à beira do caminho.

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