Só até o último dia 21 foram registrados 27 óbitos, todos de idosos, o mais novo com 64 anos e a mais velha com 93 anos; autoridades sanitárias falham com a terceira idade
(*) Fernando Benedito Jr.
(DA REDAÇÃO) – Desde o reconhecimento do estado de pandemia pela OMS em 11 de março, as principais baixas foram entre os idosos. Durante o pico dos casos de contaminação, no período de junho a agosto, a mortalidade entre as pessoas na faixa etária igual ou acima de 60 anos, aqueles considerados idosos, conforme a lei que institui o Estatuto do Idoso, seguiu firme o seu curso. Iniciada a fase de descida do platô de contaminação, as principais vítimas continuam sendo as pessoas nesta faixa etária.
DESATENÇÃO
Embora as estatísticas sejam claras em relação às principais vítimas da Covid-19, a infecção muitas vezes letal provocada pelo novo coronavírus, menos óbvias são as medidas de prevenção, campanhas e políticas públicas voltadas para a proteção deste grupo de risco. Em inúmeros casos, quando pela desinformação, por ignorarem a gravidade da doença, por necessidade de sair do isolamento para resolver seus afazares ou mesmo por costume, são vistos em aglomerações ou atitudes que os colocam em risco, acabam se tornando alvos de chacotas e piadas. “Tem que chamar o caminhão cata véi” é uma das mais sutis. Outras revelam o total desrespeito e desprezo com a terceira idade e com a velhice: “velho tem que morrer mesmo”. Ou como disse o presidente: “Todo mudo vai morrer um dia”.
LEI E REALIDADE
Num país onde a falta de compromisso e de respeito com o idoso é a regra, embora a lei em sua defesa seja clara, são eles os primeiros a tombar quando se deparam com a contaminação pelo coronavírus, não raras vezes, transmitido por pessoas mais jovens e inconsequentes.
O artigo 2º do Estatuto do Idoso prevê “o idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”.
MORTE SOLITÁRIA
Com ou sem pandemia, não é isto que ocorre. Mas, em meio à crise sanitária, o descaso atinge o limite de empurrar o idoso para vala comum, literalmente, tirando-lhe a vida ou o que resta dela. Em muitos casos de forma desumana. Morrem solitários e sem assistência, ou quando são assistidos, é tarde demais.
“Homem de 87 anos morre em decorrência da Covid-19
Nesta segunda-feira (5), a Prefeitura de Ipatinga confirmou mais um óbito decorrente de complicações por Covid-19. Com este registro, o número de mortes na cidade pelo Coronavírus soma 187. A vítima é um homem de 87 anos, morador do bairro Esperança.
O cidadão residia sozinho. Uma vizinha acionou o SAMU, que ao realizar o atendimento constatou que a vítima já se encontrava morta. Por apresentar sinais de problemas respiratórios, o corpo foi levado para o necrotério do Hospital Municipal, onde se procedeu ao exame da Covid-19. O resultado atestou positivo para a doença”.
Esta é uma das muitas notícias publicadas pelo “Diário Popular” e reflete, de certa forma, a realidade social de algumas vítimas da Covid-19. Claro, nem todos morrem na solidão, mas certamente é assim que vão ao túmulo, sem sequer ter a chance da última despedida, do último adeus.
IDADE DA MORTE
Uma edição especial do Boletim Epidemiológico, publicado em 17 de julho, pela Superintendência Regional de Saúde sobre a Macrorregional do Vale do Aço, revelava que a os idosos eram as principais vítimas da Covid-19. A média de idade dos óbitos confirmados era de 69 anos, com uma taxa de letalidade de 1,97%. O Boletim mostra ainda a rápida evolução dos casos confirmados a partir março (4), abril (41), maio (480), junho (3.390) e até meados de julho (3.652), bem como o total de óbitos no período: março (0), abril (0), maio (13), junho (88), até 17 de julho (53). A maioria dos casos foram registrados em Ipatinga, que tornou-se o epicentro da pandemia no Vale do Aço.
FLEXIBILIZAÇÃO E ÓBITOS
A dramática mortalidade de idosos continuou nos meses seguintes, quando foi se acentuando com a flexibilização das medidas de isolamento social. Além da maior vulnerabilidade em razão da idade e, com ela, de comorbidades como doenças renais, coronárias, pulmonares, pressão alta, baixa imunidade, etc, os idosos também morrem por falta de empatia, possivelmente mais letal que as eventuais fragilidades da saúde.
Mais distantes da morte e incapazes de se colocar no lugar do outro, os jovens saem, se divertem, não adotam as medidas de proteção e voltam para casa levando o vírus que vai contaminar pais e avós. Não se trata de buscar culpados, mas de tentar explicar a causa do grande índice de óbitos entre as pessoas mais idosas, o que exige esforço redobrado das autoridades sanitárias: afinal não adianta dirigir-se somente ao público-alvo mais vulnerável, mas também à juventude, alertando-a para os riscos de contaminarem os outros. No caso, os pais, avós, tios e outros parentes ou vizinhos com quem mantenham contatos frequentes.
Diante de tal situação, não custa lembrar o Artigo 3º do Estatuto do Idoso: “É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”.
Finalmente, só para se ter uma ideia da gravidade da situação em que vivem (ou morrem) os idosos vítimas da Covid-19, em Ipatinga, segundo levantamento feito a partir dos Boletins Epidemiológicos emitidos pela Prefeitura de Ipatinga neste mês (mais precisamente até o dia 21), 27 pessoas morreram vítima do coronavírus. Todos idosos, o mais novo com 64 anos e a mais velha com 93 anos.
(*) Fernando Benedito Jr. é editor do Diário Popular.