Cultura

Crônica: É dose

(*) Fernando Benedito Jr.

Hoje cedo fui a pé ao estacionamento tomar a 1ª dose da vacina contra covid-19. O drive thru fica perto do Mcdonald’s, o que provocou uma certa dúvida. Claro, preferi a vacina ao junkie food, afinal, o hambúrguer com batatas fritas e Coca-cola entregam no delivery. Feliz com a injeção da primeira dose, agradeci lisonjeiro às enfermeiras, ao SUS, mandei um pouco discreto Fora Bolsonaro! e segui meu caminho, preocupado com os demais brasileiros que ainda não tomaram a vacina e estão longe de serem imunizados, considerando a lentidão do governo. Eis que em minha direção vinha um carro de luxo, bacana, do agro, pilotado por um senhor de voz empostada, engomadinho, que se dirigiu a mim:

– Senhor, por favor.

– Pois não.

– Qual vacina tem hoje? – indagou-me com ares de “se não Pfizer, não tomo”.

Pensei nas várias respostas possíveis. A primeira delas foi devolver a pergunta: “Acaso o senhor acha que está no Bar do Waguinho escolhendo cerveja?”. Me contive com as outras possibilidades: Que não tinha Coronavac, porque o presidente dele brigou com os chineses e eles pararam de entregar o insumo farmacêutico. Não tinha Pfizer porque o governo recebeu várias ofertas e não quis comprar. As instituições científicas nacionais, destruídas pelo governo que ele defendia, ainda não haviam desenvolvido uma vacina própria. E ia nessa toda, quando achei melhor ser breve e continuar minha caminhada para não criar embaraços e fazer “barraco” às 8:30 da manhã.

Fui breve:

– Infelizmente, pra hoje só temos mesmo a Astra-Zeneca, da Fiocruz, senhor.

Falei com certa ironia, como o garçom que lamenta a falta do “produto” no cardápio. Como se tivéssemos opções.

Não sei se ele entendeu. Mas que deveria ter deixado a dose para outro, deveria.

Daí passei a quebrar a cabeça com outra coisa. Será que esse País tem jeito mesmo?

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