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Buscas a jornalista e indigenista são intensificadas após pressão

Intervenção da Justiça Federal aumentou efetivo que participa das ações no Vale do Javari, mas governo tenta culpar desaparecidos

O desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, ocorrido há quase uma semana, após ser tratado com desdém pelo governo federal a ponto do presidente dizer que ambos estavam numa “aventura não recomendável” e do presidente da Funai praticamente culpá-los por entrarem sem autorização na área do Vale do Javari, ganhou impulso após intervenção da justiça federal. Foi feita a prisão de um garimpeiro, mas as investigações ainda não a relacionam ao desaparecimento. O indigenista licenciado da Funai, Bruno Pereira, já havia denunciado que estaria sofrendo ameaças na região, feitas por garimpeiros e madeireiros ilegais.

HOMENS ARMADOS

Antes de desaparecerem na Amazônia, o jornalista Dom Phillips, correspondente do jornal britânico The Guardian, e o indigenista Bruno Araújo Pereira, servidor licenciado da Funai (Fundação Nacional do Índio), se depararam com ameaças de morte e até com invasores armados na divisa de um território indígena. Paulo Barbosa da Silva, coordenador-geral da Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), disse que o repórter inglês fotografou homens armados que ameaçavam os indígenas. Os homens, segundo Barbosa, seriam ligados a Amarildo da Costa de Oliveira, 41, preso em flagrante nesta terça-feira (7) por posse de drogas e munição de uso restrito, apontado pela Polícia Militar como suspeito de envolvimento no sumiço.

A Fundação Nacional do Índio (Funai) está empregando, em conjunto com a Força Nacional, cerca de 15 servidores para atuar diretamente nas buscas pelo indigenista Bruno Pereira e pelo jornalista britânico Dom Phillips, desaparecidos desde domingo (5) na Amazônia.

“A área do Vale do Javari é aproximadamente o tamanho de Portugal, é uma área bastante inóspita. Lá tem aproximadamente de 8 [mil] a 10 mil indígenas isolados e de recente contato e faz fronteira com o Peru. O local onde se deu o desaparecimento é muito próximo ao Peru inclusive”, explicou o presidente da Funai, Marcelo Xavier, em entrevista ao programa A Voz do Brasil de quarta-feira (8).

Policiais conduzem um dos suspeitos, Amarildo da Costa de Oliveira, 41 anos, conhecido como “Pelado”, que teria ligação com grupos que ameaçaram o jornalista e o indigenista

 PROTOCOLO

O presidente da Funai disse que Bruno Pereira, servidor da fundação, estava de licença para tratar de assuntos particulares. “Essa não foi uma missão comunicada à Funai. A Funai de forma nenhuma emitiu algum tipo de autorização para ingresso nessa área indígena”. Segundo Xavier, há todo um procedimento a ser adotado para acesso a áreas de indígenas isoladas por conta do comportamento desses povos – que podem interpretar esse ingresso como uma ameaça – e até mesmo por conta dos protocolos de prevenção da covid-19.

REPULSA

A Indigenistas Associados (Ina) rebateu nas redes sociais o comentário de Marcelo Xavier, presidente da Fundação Nacional do Indio (Funai), sobre possível descuido de Bruno Pereira e Dom Phillips, por não terem comunicado sobre sua viagem ao Vale do Javari. No texto, a associação diz receber “com indignação e repulsa” as “insinuações equivocadas, no mínimo” do chefe da Funai.

EXONERAÇÃO

César Martinez disse que muitas vezes é solicitado auxílio do Exército, por ser uma área de influência do narcotráfico. “Muito complicado quando duas pessoas, apenas, resolvem entrar na área indígena sem nenhuma comunicação formal aos órgãos de segurança e nem mesmo à Funai, que exerce a sua atribuição dentro dessa área indígena”.

O presidente da Funai esclareceu que a exoneração de César Augusto Martinez, diretor responsável pela proteção de indígenas isolados, em nada tem a ver com o episódio do desaparecimento. Segundo Xavier, a exoneração estava prevista há mais de 30 dias.

FORÇAS DE SEGURANÇA

As forças de segurança envolvidas na operação de busca do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips deram na quarta-feira a primeira entrevista conjunta, na sede da superintendência regional da Polícia Federal (PF), em Manaus, para atualizar informações sobre o caso.

“Desde o primeiro dia do desaparecimento iniciamos diversas incursões com embarcações dos órgãos de segurança aqui presentes”, afirmou o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, delegado Eduardo Fontes. O comitê de gerenciamento de crise conta com integrantes da PF, Marinha, Exército, Polícias Militar e Civil e Corpo de Bombeiros do Amazonas. A ideia é que, a partir de amanhã (9), atualizações diárias da operação sejam informadas à imprensa.

MOBILIZAÇÃO

Segundo o delegado, mais de 250 profissionais de segurança estão sendo empregados na operação, com duas aeronaves, 3 drones, 16 embarcações e 20 viaturas. As buscas seguirão de forma contínua, sem prazo para encerrar, até que se defina por uma suspensão ou mudança de estratégia, informaram as forças de segurança.

Na quarta-feira, uma decisão da Justiça Federal do Amazonas obrigou o governo federal a disponibilizar helicópteros e a intensificar as buscas pelos desaparecidos. A decisão determinou ainda que o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) poderão requisitar apoio diretamente à Polícia Federal (PF), Forças Armadas e outras forças públicas de segurança.

AMEAÇAS

Bruno Pereira já havia denunciado que estaria sofrendo ameaças na região, informação confirmada pelo superintendente da PF, que explicou que a denúncia havia sido apresentada há cerca de um mês, mas sem indicação de suspeitos.

“Crimes de ameaça nós precisamos de uma manifestação da vítima, representando que ela deseja que o suspeito seja investigado, senão não podemos agir. Temos essa informação [de que houve ameaças], mas [isso] depende de que algumas diligências sejam realizadas”, acentuou. 

Nos últimos tempos, Bruno Pereira vinha atuando como colaborador da União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja), uma entidade mantida pelos próprios indígenas da região, por isso ele estava licenciado da Funai.

O Vale do Javari concentra 26 etnias indígenas, a maioria com índios isolados ou de contato recente. Além disso, fica na fronteira com o Peru e é rota de circulação do tráfico internacional de drogas. Uma região considerada perigosa pelas autoridades.

“É uma região de uma criminalidade intensa, tráfico de drogas transnacional, sabemos da ocorrência de garimpo ilegal, exploração ilegal de madeira, pesca ilegal”, disse Fontes.

INVESTIGAÇÃO

Segundo o secretário de Segurança Pública do Amazonas, general Carlos Alberto Mansur, que também participou da entrevista, até o momento foram ouvidas cinco pessoas, na condição de testemunhas, além de um suspeito, que está preso. Ele foi detido em flagrante nesta terça-feira (7) pela Polícia Militar, após uma abordagem por posse de drogas e munição calibre 762, de uso restrito. Também estava portando armamento de caça. 

“Esse suspeito, por enquanto, não tem nada a ver ainda, não fizemos a ligação dele com o fato até o momento”, observou o secretário. A Polícia Civil não divulgou o nome do suspeito, mas meios de comunicação têm reportado tratar-se de Amarildo da Costa de Oliveira, 41 anos, conhecido como “Pelado”. Ele foi preso com uma embarcação. No caso das testemunhas, são pessoas que vivem na comunidade de São Rafael e teriam visto o barco que levava Bruno Pereira e Dom Phillips na direção de Atalaia do Norte.

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