Evento na Câmara Municipal reuniu pesquisadores, sindicalistas e sobreviventes para discutir versões e consequências do episódio ocorrido em 1963
IPATINGA – A Câmara Municipal de Ipatinga realizou, nesta quinta-feira, no plenário da instituição, audiência pública dedicada ao debate sobre o Massacre de Ipatinga, ocorrido em 7 de outubro de 1963 nas proximidades da então Usiminas, que à época era uma empresa estatal federal. O encontro, promovido pela vereadora professora Cida Lima, teve como objetivo resgatar a memória histórica do episódio, que completou 62 anos, e promover um espaço de reflexão sobre suas causas e desdobramentos.

AINDA UM TABU
Em sua fala de abertura, Cida Lima destacou que “ainda hoje o tema é um tabu” e defendeu a importância de revisitar o episódio como parte da construção da identidade local. “É preciso que a gente conte essa história, recordar para que não se esqueça e para que nunca mais aconteça”, afirmou a parlamentar.
A audiência contou com a participação de Marilene Tuler, historiadora e autora do livro Massacre de Ipatinga: Mitos e Verdades. Em sua exposição, ela abordou as dificuldades enfrentadas por pesquisadores que se debruçam sobre o tema, destacando que “a história oficial relatada não corresponde integralmente aos fatos” e que ainda há lacunas documentais e testemunhais a serem exploradas. A historiadora enfatizou que o episódio deve ser compreendido dentro do contexto de repressão política e das tensões trabalhistas da época, marcadas pela rigidez das relações entre operários e a administração da Usiminas.
SOBREVIVENTE
O sobrevivente Jurandir Cunha, integrante da Comissão de Anistia do governo federal, relatou as violências sofridas e o silenciamento que se seguiu ao massacre. “Eu vivi aqui quatro anos apanhando, vivi minuto a minuto”, afirmou. Segundo ele, a repressão e a falta de responsabilização contribuíram para que o episódio permanecesse esquecido por décadas.

DÚVIDAS
Representando o movimento sindical, Jairo Nogueira Filho, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em Minas Gerais, mencionou que até hoje persistem dúvidas sobre o número de mortos e a versão oficial dos fatos. “Há registros que indicam a requisição de 20 caixões vindos de Belo Horizonte, o que contrasta com os oito óbitos reconhecidos oficialmente”, disse, ao defender mais apuração sobre os acontecimentos.
Durante o debate, Kléber Willian de Souza, presidente da CUT Vale do Aço, destacou o impacto do episódio na formação da consciência de classe dos trabalhadores da região. Ele afirmou que o massacre “evidenciou a violência da repressão contra a organização sindical e as condições precárias de trabalho e moradia na época”.
SILÊNCIO
Outros participantes, como a militante Maura Veiga, representante da Frente Única Antifascista, lembraram que o silêncio institucional em torno do tema se manteve por anos. “Nas escolas, não se falava sobre isso. Era um assunto proibido”, afirmou, ressaltando a importância de incluir o tema nos currículos escolares e nas políticas de memória.
A audiência também abordou a relação entre a repressão de 1963 e práticas policiais contemporâneas. Um dos debatedores observou que “o massacre de Ipatinga revela raízes históricas da militarização da polícia e do tratamento dado às mobilizações trabalhistas”.
Ao final, os participantes destacaram a necessidade de continuidade das discussões e de novos estudos sobre o episódio, que segue sendo tema de divergências históricas e políticas. A data de 7 de outubro foi instituída no calendário municipal como o Dia da Luta Operária de Ipatinga, por meio da Lei nº 4.700/2023, aprovada no ano anterior.