(*) Wanderson R. Monteiro
A cultura é o conjunto dos padrões éticos, morais, das crenças, das instituições, das manifestações artísticas, literárias, intelectuais, sociais, linguísticas e comportamentais de um povo ou civilização, transmitidos coletivamente, e típicos de uma sociedade.
Todos somos pais e filhos da cultura em que estamos inseridos, pois somos gerados e formados por ela, e podemos transformá-la, gerando uma nova cultura a partir da antiga. Como filhos desta época, todos estamos, de algum modo, sob o influxo da cultura globalizada atual, que, sem deixar de apresentar novos valores e novas possibilidades, pode também limitar-nos, condicionar-nos e até mesmo nos abater e nos deteriorar. A cultura de um povo tem uma grande influência nos indivíduos que o formam; sua filosofia, após instaurada e aceita, tem a capacidade de moldar todo o pensamento e imaginário popular sem que as pessoas percebam, mudando sua forma de pensar, seus hábitos, seus atos, suas ações, e toda sua forma de enxergar, compreender, e atuar no mundo.
Atualmente, estamos inseridos dentro da “cultura pós-moderna”, e, mesmo sem perceber, somos afetados e influenciados por tal cultura.
A pós-modernidade é caracterizada pelas constantes transformações que nela ocorrem, pela falta de um fundamento sólido para o estabelecimento da mesma, o que contribui para a formação de uma sociedade sem princípios morais fixos, fazendo com que todas as coisas sejam examinadas, e julgadas, não mais a partir de um sistema de normas fixo, mas a partir da interpretação pessoal de cada um, abrindo espaço para o relativismo em todas as áreas da vida e, consequentemente, da cultura e das relações humanas. Hoje, praticamente tudo é relativo, sendo quase impossível de se chegar a um consenso sobre alguma coisa, principalmente relacionado às questões morais, aquilo que é certo ou errado.
Tudo isso, graças ao que o filósofo francês Jean-François Lyotard, defensor e teórico da pós-modernidade, chamou de “fim das metanarrativas”. Para Lyotard, o pós-moderno, “simplificando ao extremo”, é uma questão de “incredulidade em relação as metanarrativas”. Mas o que são essas “metanarrativas”?
De forma geral e simplificada, metanarrativas são grandes narrativas que se propõem a explicar todo o conhecimento existente, ou capaz de representar uma verdade absoluta sobre o universo. São histórias abrangentes que tentam resumir a totalidade da história humana, ou que buscam incluir todo o nosso conhecimento em um único sistema.
A filosofia iluminista é um exemplo de metanarrativa, pois conservava a ideia de que a razão, o progresso científico, e a tecnologia levariam o homem a um progresso rumo ao conhecimento, e a uma justiça social mais profundos ocasionado por um melhor conhecimento científico. O marxismo é outro exemplo de metanarrativa, já que, para os marxistas, a história pode ser resumida pela luta de classes, pelo confronto entre a burguesia e o proletariado. Karl Marx, no primeiro capítulo do “Manifesto do Partido Comunista”, já declara: “A história de toda a sociedade até hoje tem sido a história das lutas de classes”, resumindo toda a História universal à luta de classes. A Bíblia e o Alcorão são outros exemplos de metanarrativas universalmente conhecidas.
Assim sendo, para Lyotard, e os pós-modernos, essa “incredulidade em relação as metanarrativas”, leva à crença de que todos os grandes sistemas filosóficos estão mortos, e todas as afirmativas e princípios culturais são limitados; tudo o que resta são histórias aceitas como verdade por diferentes grupos e culturas. Para a sociedade pós-moderna, afirmações sobre uma verdade universal – as metanarrativas – são opressivas, “totalitárias” e devem ser rejeitadas.
A incredulidade acerca das metanarrativas e o não reconhecimento das mesmas, leva ao não reconhecimento dos princípios que elas propagam, e que, muitas vezes, são utilizados como limitadores culturais e fundamentos da sociedade. Essa incredulidade diante das metanarrativas nos leva a um novo ceticismo. Para a consciência pós-moderna, diante do ceticismo com relação as metanarrativas, um código ético e moral que valha para todos é uma utopia, é algo impossível.
Nesse sentido, o escritor Marcos Sandrini, em seu livro “Religião e Educação no Contexto da Pós-Modernidade” declara que: “A consciência da pós-modernidade é de que uma moralidade não aporética [que não duvida, que não seja cética, indecisa] e não ambivalente [que não possua ou abrigue valores opostos], uma ética que seja universal e ‘objetivamente fundada’, se constitui impossibilidade prática”. Assim, a incredulidade diante das metanarrativas e seus princípios nos legou uma infinidade de sistemas éticos e morais, onde se tornou possível que cada um tenha a sua moralidade particular, independentemente dos outros; cada um estabelece a sua norma moral e de conduta e, invariavelmente, esse código moral pode se chocar com outro, como resolver, se não há um padrão, e todos são válidos?
Toda essa liberdade têm lançado a sociedade a um estado de profunda incerteza, como registra Zygmunt Bauman, no seu livro “Ética Pós-Moderna”: “Com o pluralismo de normas (e os nossos tempos são tempos de pluralismo), as escolhas morais (e a consciência moral deixada em sua esteira) surgem-nos intrínseca e irreparavelmente ambivalentes. Os nossos são tempos de ambiguidade moral fortemente sentida. Estes tempos nos oferecem liberdade de escolha jamais gozada antes, mas também nos lançam em estado de incerteza que jamais foi tão angustiante”.
Se, como diz Lyotard, a pós-modernidade é produto de “transformações que afetaram as regras dos jogos da ciência, da literatura e das artes”, a mesma tem afetado e abalado todas as regras da presente era e, consequentemente, das relações humanas, de maneira que, de uma forma, ou de outra, todos nós somos afetados pelas dificuldades advindas do abandono das metanarrativas e do relativismo que esse abandono legou à sociedade contemporânea.
(*) Wanderson R. Monteiro é jornalista e escritor, bacharel em Teologia e graduando em Pedagogia.
(dudu.slimpac2017@hotmail.com)
São Sebastião do Anta – MG