segunda-feira, agosto 25, 2025
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A peregrinação invisível que desmonta a saúde pública

(*) Mauro Falcão

A vida humana, em sua essência, é movida pela busca da satisfação. Seja no aconchego da família, na realização do trabalho ou nas tramas das relações sociais, perseguimos incessantemente aquilo que chamamos de “zonas de realização”. Alguns preferem chamá-las de “zonas de conforto”, mas na verdade tratam-se de territórios existenciais onde sentimos que a vida se equilibra em harmonia.

Essa busca não é capricho, é autopreservação. Somos impelidos por três forças que convergem para a mesma pulsão vital: a saúde física e mental, que assegura a vida; a ordem econômica, que sustenta a subsistência; e a ordem moral, que alimenta o ego e orienta nossos caminhos.

O drama surge quando vontades individuais se transformam em correntes coletivas. O que antes era impulso íntimo torna-se, quase sempre de forma inconsciente, uma peregrinação de massas. Como aves que cruzam continentes, os homens também peregrinam — não apenas no espaço geográfico, mas no econômico, simbólico e psíquico.

De perto, parecem decisões isoladas. Mas do alto, vemos um tabuleiro de peças que avançam na mesma direção. Há uma lógica invisível que articula o inconsciente coletivo e conduz multidões. E, quase sempre, esse destino é a concentração de capital.

Um exemplo emblemático está na saúde pública brasileira. O aumento de contribuições em planos estatais e a precarização dos serviços são vendidos como mecanismos para valorizar médicos e hospitais. Mas a realidade é outra: o estrangulamento calculado desses institutos. À medida que se tornam inviáveis, as pessoas são forçadas a migrar para o SUS, a versão brasileira de assistência universal.

A engrenagem, porém, não se encerra aí. O SUS sobrecarregado gera hospitais lotados, falta de recursos, insatisfação social. A população, exausta, passa a duvidar da eficácia do sistema público. E diante do desgaste, surge a “solução” apresentada como inevitável: a privatização. O círculo se fecha, o Estado se retira, e a vida vira mercadoria.

Não é difícil identificar os atores que sustentam esse projeto. Basta observar o mercado: a Bolsa de Valores reage com entusiasmo quando políticos — geralmente governadores que sonham com a Presidência — sobem nas pesquisas. O lucro dos investidores coincide com a angústia dos mais pobres. Quem controla a saúde controla não só recursos, mas a dor e a esperança humanas.

Eis a metafísica das peregrinações coletivas: deslocamentos invisíveis da própria consciência. Massas acreditam escolher livremente, mas obedecem a fluxos arquitetados. O risco maior não é a peregrinação em si, mas o destino: a transformação da vida em negócio.

“Porque o amor ao dinheiro é raiz de todos os males…” (1 Timóteo 6:10).

Esse é o verdadeiro nome da peregrinação atual: NEOLIBERALISMO. Uma ideologia que reduz o papel do Estado, mercantiliza a vida e transforma o ser humano em ativo financeiro.

(*) Mauro Falcão é pesquisador e escritor brasileiro

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