Ex-secretário de Comunicação disse em entrevista à Veja que Pazuello é incompetente e que governo demorou a comprar vacinas da Pfizer; na CPI, tenta proteger presidente e nega o que disse antes
BRASÍLIA – Convocado a depor na CPI da Covid, no Senado Federal em razão da entrevista à revista “Veja”, quando revelou uma série de informações sobre como o governo tratava do combate à pandemia no Brasil, Fábio Wajngarten se enrolou na defesa do presidente Bolsonaro, mentiu, cometeu uma série de contradições e tentou sair pela tangente na maioria das perguntas, o que irritou os senadores da oposição. O relator Renan Calheiros ameaçou prender o depoente pro flagrante violação do juramento de dizer somente a verdade.
O ápice de tensão gerada pelas respostas do publicitário ocorreu no momento em que o relator, Renan Calheiros (MDB-AL), pediu uma espécie de acareação para verificar se havia ou não brecha para solicitar a prisão do depoente. De acordo com a Constituição, em oitivas realizadas por uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), os intimados são obrigados a falar a verdade, sob risco de receberem voz de prisão caso seja confirmado, em flagrante, algo que não corresponda à realidade dos fatos.
ESCORREGADIO
Calheiros reclamou desde o início da audiência do comportamento de Wajngarten. Na versão do relator, o publicitário e ex-membro do governo tem dado respostas escorregadias ou em contradição ao teor da entrevista que ele havia dado à revista Veja. Na reportagem, o ex-chefe da Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) revelou ter participado de negociações para compra de vacinas e chamou a equipe do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello de “incompetente” e “ineficiente”. Eu queria sugerir a vossa excelência requisitar o áudio da revista Veja para nós verificarmos se o secretário mentiu ou não mentiu. Se ele não mentiu, a revista Veja vai ter que pedir desculpas a ele.
“Se ele mentiu, terá desprestigiado e mentido ao Congresso, o que é um péssimo exemplo. Se ele mentiu a revista Veja e a esta comissão, vou requerer a vossa excelência, na forma da legislação processual, a prisão do depoente”, disse Renan Calheiros (MDB-AL).
ENTREVISTA
O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), acatou o pedido do relator e pediu que a demanda seja verificada junto à revista Veja. Na visão do presidente da comissão, “alguém está mentindo”.
Ele apresentou requerimento que pede o envio da gravação da entrevista de Wajngarten concedida à revista pelo diretor de redação da Veja, Maurício Lima. Vou pedir para requerer à revista Veja, que possa nos dar o áudio da gravação, sem cortesOmar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI da Covid A entrevista à Veja foi justamente a razão pela qual Wajngarten foi chamado a depor na CPI da Covid. Por esse motivo, segundo contestações do relator, endossadas por Aziz, Wajngarten deveria confirmar ou não os fatos narrados à revista em vez de tentar sair pela tangente.
IRRITAÇÃO
Diante da insistência de Calheiros em uma das perguntas endereçadas ao depoente, Wajngarten chegou a responder que o senador deveria “perguntar para o presidente da República”, e não para ele. A indagação era a respeito de uma possível orientação de Bolsonaro no sentido contrário à necessidade de vacinação em massa no país. A colocação do publicitário irritou o comando da CPI.
CARTA A PFIZER
Wajngarten confirmou durante o depoimento à CPI da Covid na manhã de hoje que realizou reuniões com o presidente da Pfizer no Palácio do Planalto, em Brasília. O ex-chefe da Secom foi perguntado sobre ter ou não competências para negociar com a farmacêutica. O publicitário confirmou ter aberto “as portas do Planalto” para que as negociações sobre o imunizante contra a covid-19 fossem realizadas.
PORTA ABERTA
O publicitário confirmou ter aberto “as portas do Planalto” para que as negociações sobre o imunizante contra a covid-19 fossem realizadas. Wajngarten também confirmou que uma carta enviada pela Pfizer e endereçada ao governo ficou dois meses parada. No documento, a farmacêutica pedia ao governo brasileiro celeridade nas negociações e manifestava interesse em colaborar com o Brasil. Calheiros questionou: “Vossa senhoria relatou que abriu as portas do Planalto aos diretores da Pfizer e os trouxe a Brasília para várias reuniões. Onde essas reuniões ocorreram?”, ao que o ex-secretário de Bolsonaro respondeu:
“A carta foi enviada em 12 de setembro, o dono do veículo de comunicação me avisa em 9 de novembro que a carta não havia sido respondida. Nesse momento, eu mando um e-mail ao presidente da Pfizer, que consta nessa carta. Respondi a essa carta, no dia em que recebi. Quinze minutos depois, o presidente da Pfizer do Brasil, Carlos Murilo, que virá aqui amanhã — respondi para Nova York — me liga. ‘Fabio muito obrigado pelo seu retorno’. No dia 9 de novembro, foi o primeiro contato”, relatou Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação do governo Bolsonaro.
RELAÇÕES
O dono do veículo de comunicação citado seria Marcelo de Carvalho, da RedeTV, disse Wajngarten mais tarde, ao ser questionado sobre o assunto. O ex-secretário disse que uma apresentadora do canal era casada com um diretor da Pfizer. Ao falar das reuniões que manteve com representantes da Pfizer, Wajngarten buscou minimizar o número de doses ofertadas pela farmacêutica inicialmente, dizendo que, “no começo da conversa, ela falava em irrisórias 500 mil vacinas”. “A quantidade de vacinas que a Pfizer ofereceria, em tese, ao Brasil eram vexatórias, eram indescritíveis. Quando a diretora jurídica disse a mim que conseguiria 500 mil doses, eu falei que isso era menos do que um bloco da Avenida Paulista, em São Paulo, e disse que a conversa não continuaria se ela não mudasse de postura. E, por diversos momentos, nesta mesma reunião, eu notei que havia espaço para melhorar a negociação”, alegou.
ARTICULAÇÕES
Sobre os ministérios que Wajngarten havia acionado para tratar sobre os assuntos relacionados à pandemia, ele afirmou que a Secom tinha uma área de articulação, mas que, pessoalmente, não tratou com outros ministros. No entanto, o ex-secretário alegou ter sido muito próximo ao ministro Luiz Eduardo Ramos, “sempre muito próximo da Casa Civil”. Devido ao histórico de polêmicas envolvendo o ex-secretário, que costumava atacar adversários usando as redes sociais, senadores já se preparavam para uma audiência de maior nível de tensão, com embates verbais entre o depoente e opositores do governo. As declarações de Wajngarten são tidas como fundamentais para o futuro da Comissão Parlamentar de Inquérito, pois se trata de um personagem com relação direta e próxima do presidente da República, que vivia a rotina do Palácio do Planalto e que participava de reuniões na sede do Executivo federal.