(*) Petrônio Souza
Milton Nascimento é uma entidade, um universo mágico e paralelo, nossa Maria Fumaça: hoje, encanta mais. Lô Borges, com o sol na cabeça, pegou o Trem Azul e agora está por aí, dando voltas pela Via Láctea.
Fernando Brant foi o primeiro. De tanta saudade dos aviões da Panair, resolveu pegar um e seguir o caminho do céu. Agora está lá, no azul sem fim, sentando em uma mesa de bar, mirando o infinito e escrevendo poemas para os amigos que vão chegar.
Toninho Horta, com sua generosidade infinita, foi o mais sábio.
Cultivou o menino que existia dentro dele e continua por aqui, um
garoto, em plena forma, no auge da juventude criativa, empunhando sua guitarra e duelando contra a desarmonia desse mundo caduco. Tem que ser muito audaz para viver uma vida inteira ao contrário, acreditando nas coisas do coração e que não existem mais. Wagner Tiso, maestro e magistral, entre o preto e o branco das teclas do piano, vestiu com sua elegância e sobriedade a nova música que surgia, dando a ela as cores mais lindas de uma inesperada manhã, fazendo ainda mais bela a trilha sonora de nossa vida inteira.
Marcinho Borges, o ponto de interseção e conversão de toda essa
história, com seu coração povoado por montanhas imensas e abismos abissais, se refugiou na Minas profunda da Mantiqueira, para viver tudo aquilo que suas canções diziam. Lá, depois da Ponte dos Cachorros – esse nome parece ter saído de uma de suas letras – encontrou a paz desejada. Agora fica por lá, balançando na rede, fazendo canções e ‘só pensando nas coisas boas deste mundo’. Ele é o meu herói.
Beto Guedes, ave rara, “irrequieto fogaréu”, fez seu pouso no alto de uma montanha, agora vê a vida assim, como um pássaro que voa e canta pelos palcos do mundo.
Lô Borges chegou com a força do vento e arrastou uma geração inteira de músicos e fãs com sua sofisticação intuitiva, tão refinada, original e única, ‘que fundiu a cuca da turma da pesada’. Era um cowboy de ouro, desafiando o mundo com seus acordes improváveis. Um garimpeiro que encontrou no fundo da bateia uma nota perdida, invertida e distraída. Distraído, venceremos, companheiro!
Um dia, fui com ele para Marília, no interior de São Paulo. Lá
encontrou as filhas de seus amigos de Três Pontas. Enquanto tocava, com as meninas ‘ao gargarejo’, me perguntava: ‘e agora, hein, canto qual?!’ A festa precisava estar animada. Na esquina do Clube, enquanto nos reuníamos para mais uma edição do nosso sarau clandestino, segurava para ele o microfone enquanto o pedestal não chegava e ele cantava suas canções eternas. O jornal deu uma nota do inusitado encontro: Os hippies modernos. Deveria ter cravado: os hippies eternos!
Assim foi Lô Borges, que queria apenas fazer dos palcos da vida a
extensão de sua esquina. Como todos do Clube, nunca quis o estrelato, acreditava que tudo estava condensando e esmiuçado em sua música, o início e o fim de todo o mistério, as conexões de um indivisível elo.
Ontem, muitos foram até a Esquina cantar seu amor por ele, como que buscassem um pedaço da histórica, um naco de vida, de inspiração, pedaços de uma canção. Era um rio de asfalto e gente escorrendo pela ladeira e entupindo o meio fio do velho Curral del-Rey. Eram todos jovens, como sempre foram, cantando os sonhos que não envelhecem e que não nos deixam envelhecer. Drummond dizia que “de tudo fica um pouco”.
Afirmo: um pouco de tudo fica.
Salomão Borges Filho não teve tempo de se despedir das coisas deste mundo. Lô Borges, não; foi com o vento, com o pensamento, pois ele sempre soube: “Não tem mais lugar quem vive em tudo”.
(*) Petrônio Souza, jornalista e escritor



