IPATINGA – A Comissão Executiva do Partido dos Trabalhadores em Ipatinga divulgou nota ameaçando enquadrar a ex-prefeita e vereadora Cecília Ferramenta pelo seu apoio ao Projeto de Lei 195/2021, de autoria do Executivo Municipal. Na verdade, apoio ao PL foi só um “gatilho” em reação a vários outros posicionamentos da vereadora em apoio ao governo municipal, que vem revelando um alinhamento quase incondicional à gestão local do PSL, embora, diversos segmentos afirmem que o prefeito Gustavo Nunes (PSL) e integrantes de seu secretariado não tem vínculo ideológico com o presidente Jair Bolsonaro, principal adversário político do PT em nível local, estadual e nacional.
O PL 195/2021 estabelece uma série de regramentos em relação aos servidores públicos municipais e muitos deles contrariam os sindicatos representantes do funcionalismo municipal, que reclamaram da falta de debate sobre o tema.
Diante da reação do PT, a vereadora Cecília Ferramenta emitiu uma nota intitulada “Diálogo e democracia contra a perseguição e o corporativismo” (ver na íntegra abaixo), justificando seu posicionamento a favor do Projeto e se considerando injustiçada com a decisão do PT municipal, que ela considera uma perseguição.
Em sua manifestação, a Executiva Municipal diz que “desde a sua fundação, o Partido dos Trabalhadores tem como objetivo contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e igual para todos. Entendemos que isso passa pela instrumentalização da luta dos trabalhadores, uma das principais forças para geração de riqueza e desenvolvimento de uma nação”.
”Neste contexto – segue a nota – nossos governos em nível nacional foram responsáveis pela estruturação de importantes políticas públicas, que possibilitaram melhores condições de trabalho e valorização profissional, com impacto em vários setores do funcionalismo público no município”.
”Devido ao cenário político, a implementação de algumas dessas conquistas foram fruto de lutas encampadas pelo movimento sindical, à época. Portanto, sempre estivemos presentes na luta pela garantia dos direitos trabalhistas dos servidores, que culminam com a melhoria dos serviços prestados à população”.
PREMISSA
O PT de Ipatinga ressaltou ainda seu histórico em defesa dos trabalhadores e que estas diretrizes devem ser mantidas: ”Ao longo de nossa história, estiveram entre nossos quadros partidários, vereadores combativos, cuja atuação parlamentar sempre foi em defesa dos servidores públicos. Independente das circunstâncias, essa é uma premissa das quais não podemos nem iremos abrir mão”.
Ainda segundo o PT, ”o retrocesso imposto pelo governo Bolsonaro, agravado pela pandemia, nos responsabiliza a reconstruir o Brasil. Os prejuízos causados pelo desmonte do Estado brasileiro já podem ser vistos pelo empobrecimento da população, aumento da fome e do desemprego”.
”A luta pelo fortalecimento do Estado é urgente. E essa luta não pode ocorrer dissociada da defesa dos servidores e dos serviços públicos. É na tentativa de inviabilizar a organização dos trabalhadores, que o PL 195/2021, foi apresentado pelo governo municipal”, diz a nota do Partido dos Trabalhadores.
Ainda conforme o PT de Ipatinga, ”em sintonia com o projeto nacional de desmontes em curso no Brasil, a proposta [PL 195] tem claros ataques ao exercício da prática sindical nos locais de trabalho e ao cerceamento de manifestação do servidor. Além de conter elementos subjetivos, que transmitem insegurança quanto à avaliação dos servidores, possibilitando interpretações para intimidação e assédio moral”.
ENQUADRAMENTO
Diante do posicionamento da vereadora a favor do projeto do Executivo Municipal, o PT manifesta seu repúdio a aprovação do PL, seu apoio aos servidores e ameaça tomar as medidas previstas no estatuto do Partido contra a posição de Cecília Ferramenta: ”Sem abrir possibilidade de discussão junto aos servidores públicos e seus sindicatos, o PL tramitou em regime de urgência na Câmara de Ipatinga, e foi aprovado em primeira votação, ontem (26/10). Diante disso, o PT de Ipatinga manifesta total repúdio à aprovação do projeto, e reitera seu apoio aos servidores públicos municipais. Comunicamos ainda que a direção do partido tomará as medidas estatutárias para que não se consolidem contradições acerca da posição política do partido. As instâncias partidárias serão convocadas para se mobilizarem diante dos desdobramentos da votação”, conclui a nota da Comissão Executiva do PT de Ipatinga.
Diante da iniciativa de enquadramento, a vereadora Cecília Ferramenta divulgou a seguinte nota defendendo seu posicionamento e o apoio ao PL 195. Ela também afirma que a atitude da Comissão Executiva é uma ”ameaça velada à liberdade de expressão e à inviolabilidade do voto, além da tentativa de desqualificação pessoal feita reiteradas vezes por alguns integrantes da direção do PT de Ipatinga”.
A íntegra da nota da vereadora Cecília Ferramenta é a seguinte:
DIÁLOGO E DEMOCRACIA CONTRA A PERSEGUIÇÃO E O CORPORATIVISMO
Num momento difícil vivido por minha família, em virtude dos problemas de saúde do nosso querido Chico Ferramenta – que, após um acidente doméstico, teve que passar por cirurgia e ficar alguns dias em internação hospitalar –, fui surpreendida com informações de que a Executiva Municipal do Partido dos Trabalhadores estaria abrindo procedimento disciplinar e uma advertência pública, sem qualquer fundamento ou discussão prévia, por causa do meu posicionamento na votação do Projeto de Lei 195/2021.
Estamos, eu e minha família, envolvidos nos cuidados ao meu marido, que têm exigido esforço redobrado de todos nós. Tenho procurado conciliar meus afazeres com a nobre missão de vereadora, e nunca me furtei, quando convidada, a participar de reuniões e discussões internas, sobre qualquer tema. Por isso não posso deixar de manifestar minha indignação com essa atitude intempestiva e desrespeitosa de alguns membros da Comissão Executiva Municipal do PT.
A indignação é maior devido à forma como tais informações chegaram a mim, como uma ameaça velada à liberdade de expressão e à inviolabilidade do meu voto, além da tentativa de desqualificação pessoal feita reiteradas vezes por alguns integrantes da direção do PT de Ipatinga. E o pior: são ameaças feitas a terceiros, sem que tenham se dirigido diretamente à minha pessoa, sem que houvesse qualquer discussão e sem o sagrado direito ao contraditório. Cabe perguntar: o que quer o PT?
Por trás de todas essas ameaças, identifico uma polêmica que, a rigor, não existe: o meu voto favorável ao Projeto de Lei 195/2021, que “Dispõe sobre o Regime Disciplinar e a Atividade Correcional, no âmbito da Administração Pública Municipal”. Trata-se de projeto que visa a atualizar e modernizar o atual Estatuto dos Servidores Municipais, que data de 1974, cujo teor é mais punitivo que o do PL 195. Pelo que parece, alguns dirigentes do nosso Partido, e muitos dos que engrossam o coro dos contrários, sequer se deram ao trabalho de ler o projeto aprovado pela Câmara Municipal. E tampouco conhecem o teor da Lei 494/1974 para efeito de comparação.
O PL 195/2021 é análogo a leis de vários municípios, como Belo Horizonte e São Paulo, e dos estados de Minas Gerais, São Paulo e Goiás, do Distrito Federal e na esfera federal, que estabelecem modernas diretrizes do Direito Administrativo e da política de compliance, que, numa tradução livre, significa o cumprimento de normas e leis. São normas que fazem coro com o Programa Nacional de Prevenção à Corrupção (PNPC), da Rede de Controle da Gestão Pública, composta pelo Tribunal de Contas da União (TCU), Controladoria-Geral da União (CGU) e ENCCLA (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro), que têm caráter nacional e visam a aperfeiçoar as administrações públicas por meio da idealização de trilhas de auditoria e investigação, desenvolvimento de políticas de ética e integridade, canais internos de denúncia, treinamentos e capacitações pedagógicas e dialógicas, entre outras medidas, preventivas e/ou corretivas, em favor da uma cultura de eticidade e probidade no serviço público. Ficar contra essa regulamentação é coadunar com práticas danosas e condenáveis que, infelizmente, mesmo que em pequena escala, ainda existem no serviço público, que, como o próprio termo designa, deve procurar satisfazer necessidades essenciais e secundárias da coletividade.
Diante de tanto barulho e desinformação, cabe uma reflexão: por que esses que agora criticam o PL 195/2021 nunca questionaram dispositivos similares do atual Estatuto dos Servidores e nem se insurgiram contra a Lei de 1974?
Não posso aceitar que o debate público e político – que não ocorreu por parte da Executiva Municipal do PT – descambe para a desqualificação pessoal, como têm feito, reiteradas vezes, alguns dirigentes partidários. Ao se lançarem nessa perseguição, acabam por enfraquecer a atuação política do nosso Partido.
É com profunda tristeza – e, por que não?, com revolta – que constato que o nosso Partido, que sempre foi pautado pela defesa da liberdade e pela luta contra todas as formas de injustiça, assuma, em Ipatinga, um viés autoritário para prejudicar uma de suas duas vereadoras na Câmara Municipal, ex-prefeita e ex-deputada estadual por dois mandatos, em defesa de interesses corporativistas.
No exercício das suas atribuições constitucionais, especialmente a de legislar e de fiscalizar, o vereador tem o respaldo do inciso VIII do artigo 29 da Constituição Federal em relação à inviolabilidade por suas opiniões, palavra e voto, o que assegura liberdade e tranquilidade para votar em qualquer projeto de acordo com suas convicções. Direito esse que alguns membros da Executiva Municipal do PT querem, agora, usurpar.
Em outras palavras, a inviolabilidade de opinião e de voto garante ao vereador a possibilidade de manifestar-se de forma livre, sem se sujeitar a qualquer tipo de pressão. Tão certo que o Supremo Tribunal Federal entende que “nos limites da circunscrição do município e havendo pertinência temática com o exercício do mandato, garante-se a imunidade do vereador” (Processo RE 600063, com repercussão geral).
Desde que assumi o mandato de vereadora, alguns integrantes da Executiva Municipal do PT têm empreendido uma sanha persecutória que não posso aceitar, tampouco me calar! O Partido que agora me persegue e me detrata, de forma injustificada, é o mesmo que fez “vista grossa” na eleição de 2020 para filiados e candidatos a vereador que, sem nenhum pudor, abandonaram a candidatura majoritária do PT à Prefeitura de Ipatinga para cerrar fileiras com legendas antagonistas.
Chega de utilizar dois pesos e duas medidas! Exijo respeito, em nome do meu histórico de lutas e de mandatos comprometidos com a população de Ipatinga e com o Partido dos Trabalhadores. Por isso insisto: o que quer o PT?
CECÍLIA FERRAMENTA
Vereadora do PT