Jornal admite que errou ao apoiar golpe
BRASÍLIA – Uma caminhonete amarela de entrega do jornal Folha de S. Paulo com um suposto defeito mecânico estava parada havia uma semana em frente ao prédio do estudante de geologia e militante Adriano Diogo, de 23 anos, na Mooca, zona leste de São Paulo.
Naquele 17 de março de 1973, militares saíram do carro de distribuição do periódico e subiram ao apartamento do rapaz. “Eles quase me mataram”, recorda o agora ex-deputado estadual, em entrevista à Agência Brasil.
Diogo foi encapuzado, agredido, torturado e levado para o Complexo do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), na Vila Mariana, onde funcionava a Operação Bandeirante (Oban), um espaço de tortura e assassinatos durante a ditadura militar no Brasil.
A utilização do veículo de um dos principais jornais do país para uma ação de opressão não foi caso raro durante o período ditatorial e ilustra uma das faces da colaboração direta da Folha de S. Paulo, revela pesquisa realizada por seis professores (de diferentes instituições) que se transformou no livro A serviço da repressão.
A obra foi lançada na livraria Expressão Popular, em São Paulo. Uma das autoras do trabalho, a professora de jornalismo Flora Daemon explica que o estudo durou dois anos e serviu de base para que o Ministério Público Federal abrisse um inquérito contra o grupo Folha.
A investigação, segundo o MPF, corre em segredo de justiça e, por isso, não comenta o andamento dos trabalhos. A professora foi uma das responsáveis pelas mais de 40 entrevistas para a pesquisa.
INVESTIGAÇÃO
Os recursos para o levantamento das provas surgiram depois que a Volkswagen, que também colaborou com a repressão, assinou um termo de ajustamento de conduta (no valor de R$ 4,5 milhões).
De acordo com a pesquisadora, o Ministério Público Federal definiu que uma parte desses recursos deveria ser destinada para investigações de outras empresas com indícios de terem aderido aos atos da ditadura (a partir do relatório final da Comissão Nacional da Verdade). O MPF escolheu a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) para a gestão desse processo.
A equipe incumbida de investigar os atos da Folha, uma das 10 instituições investigadas, inclui, além da professora Flora, os docentes Lucas Pedretti, Ana Paula Ribeiro, Amanda Romanelli, André Bonsanto e Joëlle Rouchou.
“A gente buscou provas, indícios e materialidades para qualificar esse material para apresentar ao Ministério Público”, explica Flora Daemon, que é professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e da pós-graduação da Universidade Federal Fluminense.
PELA MEMÓRIA
Entidades ligadas ao jornalismo apoiaram a realização da investigação ao entender que a pesquisa dos professores é fundamental para a preservação da memória.
A presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas, Samira de Castro, divulga o Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil 2022, no Sindicato dos Jornalistas.
A presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas, Samira de Castro, destaca a importância de reavaliar o papel da imprensa no período. – Fernando Frazão/Arquivo Agência Brasil
“Acho importante avaliar e reavaliar o papel da imprensa, tanto a atuação dos proprietários como dos profissionais. Nosso papel está na defesa dos jornalistas”, afirmou a presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Samira Castro.
VERDADE
Diretor da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Moacyr Oliveira Filho afirma que é importante estabelecer a verdade para que as novas gerações fiquem sabendo de tudo que aconteceu e que isso não se repita. “Houve uma participação direta da Folha, não só no apoio político à ditadura, através dos seus jornais, mas também no empréstimo de carros”.