Em documento, Prefeitura faz embargo irrestrito ao culto à “linha de Exu”
(DO UOL) – Faz 22 anos que o pai de santo Rodrigo Xavier da Silva, 37, comanda a Tenda Espírita Nossa Senhora da Conceição, na cidade de Caratinga, região do Vale do Rio Doce (MG), mas neste ano ele foi surpreendido ao solicitar o alvará de funcionamento da casa à prefeitura. Entre as restrições descritas no documento, expedido em fevereiro, estão: a proibição do consumo de álcool, o impedimento da presença de menores de 14 anos nos cultos, a obrigação em manter o volume baixo dos atabaques, o embargo irrestrito ao culto à “linha de Exu”, funcionamento da casa por apenas 90 dias (com vencimento em maio), quando deveria ter validade de um ano.
PERSEGUIÇÃO
Segundo Silva, que é sacerdote da umbanda, a casa nunca teve problemas com vizinhos ou desavenças com autoridades da cidade e sempre se dedicou ao atendimento religioso e as atividades de assistência social — como a doações de brinquedos, roupas, doces e balas às crianças da comunidade de Portelinha. Agora, as restrições devem dificultar e até impedir a realização dos cultos.
“Isso é perseguição religiosa. Proibir a nossa casa ou qualquer outra de servir bebida alcoólica é uma violação de culto. Seria o mesmo que impedir um padre católico de utilizar vinho no rito de eucaristia numa igreja. Se uma religião pode usar bebida alcoólica, por que a umbanda também não pode? Isso é um absurdo, um abuso”, diz Rodrigo Xavier da Silva.
DESRESPEITO
Para o pai-de-santo, a restrição de idade também é um desrespeito. “Se você for a uma igreja, seja evangélica ou católica, você vai ver muitas crianças participando. Considerar essa proibição apenas para os cultos de matriz africana demonstra o preconceito com que temos sido tratados”, denuncia.
Silva, que trabalha como professor de português na rede estadual de ensino de Minas Gerais, diz que, auxiliado por uma vereadora, foi informado de que a prefeitura iria expedir um novo alvará. Mas, até o momento, o documento não se encontra disponível no site do Executivo municipal.
EXU NÃO É DEMÔNIO
Um dos pontos mais polêmicos do alvará concedido pela prefeitura, segundo o pai-de-santo, é justamente a proibição da “linha de Exu”. Ele considera que isso se deve à falta de conhecimento por parte das autoridades municipais sobre o que elas “pensam ser” a figura.
“Se os católicos podem cultuar os santos e os evangélicos fazer rituais de ‘desobsessão’ por que não podemos cultuar Exu, o mensageiro dos deuses? Exu é a divindade que abre os trabalhos em qualquer terreiro ou centro. É ele quem abre e purifica os caminhos para a chegada das entidades e dos orixás. Exu não representa o demônio nas culturas de matriz africana. No panteão africano, ele é uma divindade, que pode ser comparada a Hermes (para os gregos) e Mercúrio (para os romanos). Esse alvará foi uma humilhação para nós. Me sinto triste, fragilizado e até mesmo impotente. Estão nos tomando direitos garantidos pela Constituição. Tenho fé que o novo governo consiga minimizar essas perseguições de fé religiosa. E espero que a Justiça consiga punir esses crimes à luz do que diz a lei”, arremata Silva.