“O homem suporta tudo, menos a falta de sentido.”
(Viktor Frankl)
Essa frase sintetiza não apenas o ensino e a psicologia de Viktor Frankl, como também escancara uma das feridas mais profundas da alma humana em nossos tempos. Toda a base teórica da Logoterapia está contida nessa simples e poderosa constatação: o ser humano é capaz de suportar os sofrimentos mais atrozes, desde que consiga enxergar um sentido que o justifique. O próprio criador dessa escola psicológica viveu isso em sua própria pele ao viver a experiência dos campos de concentração durante o holocausto.
Tais ensinos e essa abordagem psicológica se tornam de valor incalculável em nossa sociedade, marcada por crises existenciais silenciosas e generalizadas. Atualmente, muitos vivem suas vidas como quem busca um “propósito” que nunca encontram. Há uma inquietação constante, um vazio profundo que tenta ser preenchido com atividades, distrações, modismos e prazeres fugazes. Vemos pessoas ocupadas, agitadas, e ainda assim perdidas, experimentando inúmeras coisas — muitas vezes contraditórias entre si — na esperança de encontrar, em meio a essas buscas, um pouco de sentido para a sua vida.
A verdade é que o sentido, o propósito no qual baseamos nossa existência, é algo profundamente particular e intransferível. Mesmo aquilo que pode parecer “insignificante” aos olhos de muitos, pode ser toda a base de sustentação da vida de alguém. E é por esse propósito — ainda que julgado como pequeno — que muitos são capazes de enfrentar as mais duras dores, perdas e dificuldades.
Victor Frankl testemunhou isso de forma direta no campo de concentração de Auschwitz. Ele observou que aqueles que, fora do campo, possuíam um motivo para continuar vivos — seja um ente querido, uma missão inacabada ou um ideal a preservar — tinham mais forças para suportar o horror e a desumanidade sofridos ali. Já aqueles que não possuíam ou não enxergavam mais nenhuma razão para continuar a viver, se entregavam rapidamente, física e espiritualmente, definhando sob o peso da ausência de sentido.
É por isso que a falta de propósito tem o potencial de destruir vidas silenciosamente. Quando não há um “porquê”, tudo perde o brilho. Como diz uma famosa frase de Nietzsche: “Quem tem um porquê suporta quase qualquer como”. Dessa forma, quando o sentido desaparece, qualquer forma de prazer se torna uma tentativa desesperada de sobrevivência emocional. Muitos, por não enxergarem um motivo para viver e lutar, se entregam aos vícios – numa busca por dopamina rápida, fácil e barata. Mas esse “baixo custo” é ilusório, pois o verdadeiro preço é pago no corpo, na alma e na dignidade.
Essa situação não é recente. No livro de Provérbios, Salomão nos orienta a dar bebida forte àqueles que estão perecendo e desanimados com a vida, mas alerta para que os reis – ou seja, os responsáveis por guiar – evitem o vinho, para não perderem a lucidez e se esquecerem de suas responsabilidades. Diante disso, podemos aprender que o prazer pode anestesiar a dor momentaneamente, mas também entorpece a nossa consciência e nos distancia de nossa missão, nos afasta de nossos compromissos e responsabilidades.
O álcool, assim como outras drogas, torna-se a única fonte de prazer para quem já não vê mais sentido na própria existência. O vício não é apenas químico; é, muitas vezes, existencial. A dor de não ter um motivo para acordar todos os dias é mais insuportável que qualquer abstinência – assim era em meio às experiências de Frankl nos campos de concentração, e assim é ainda hoje. E quando a vida “normal” exige tempo, esforço e paciência para recompensar – como nas conquistas que vêm após meses ou anos de luta – a tentação do prazer imediato se torna quase irresistível.
O que está atualmente em jogo não é apenas a saúde ou a moralidade, mas o próprio destino de uma geração que, desconectada de um sentido profundo, está sendo corroída de dentro para fora. Sem raízes, sem missão, sem transcendência. Numa sociedade onde o hedonismo é vendido como felicidade e o relativismo como liberdade, não é de se espantar que tantos estejam sucumbindo.
Precisamos reencontrar as respostas que possam nos mover — mesmo em meio à dor. Porque, como disse Frankl, o sofrimento deixa de ser sofrimento no momento em que encontra um sentido. E isso faz eco a famosa frase de Nietzsche já citada: “Quem tem um porquê suporta quase qualquer como”. Talvez as coisas não estejam tão difíceis como pensamos, talvez o que tem nos faltado seja um propósito forte que traga sentido a todo o nosso sofrimento.
(*) Wanderson R. Monteiro é articulista e escritor.
Autor de São Sebastião do Anta – MG