(*) Fernando Benedito Jr.
Era inauguração da nova loja do supermercado Dois Irmãos, um dos mais caros da região. Chega um senhor, um freguês, pobre, encontra-se com um dos dois irmãos, um sujeito branco, enorme e saudável, de olhos azuis e faz um salamalaque de fazer dó, uma bajulação e uma sem-cerimônia para elogiar a beleza do novo empreendimento, a coragem e a ousadia de investir nesta crise. Olhei a cena admirado. É por isso que dizem que quando a miséria entra pela porta, a virtude foge pela janela.
Antes mesmo dos ricos inventarem esta idiotice de meritocracia para enganar os pobres, muitos pobres já acreditavam nisso. A maioria dos brasileiros não tem o mínimo de consciência de classe, do ponto de vista marxista mesmo. Não entende que é pobre porque a divisão social do trabalho exige que uns sejam a mão de obra e outros os proprietários dos bens e meios de produção. A formação social brasileira também contribui, em alguns aspectos, para esta adoração dos ricos pelos pobres. Acreditam piamente que o rico “chegou lá” pelo seu esforço, pelo honrado trabalho; pelas benção de Deus. Em alguns casos, acontece, mas não é regra geral. E precisa-se de gerações para sair “de baixo” e chegar lá. É preciso sorte para ganhar na loteria, se meter num negócio que torna-se uma coqueluche, tornar-se um influencer de renome nacional e internacional, enfim. Um ou outro “sorteado” pelo destino tem o “mérito” de ficar rico. No mais, a regra de ouro é: nasceu pobre, vai ficar pobre o resto da vida, vai morrer pobre e esta é a dura realidade.
Mas é claro, a “esperança” vendida pelo sistema não é essa. O Baú da Felicidade é um exemplo. Os bancos são mestres em dizer que um dia você vai ficar rico, principalmente se fizer um investimento numa de suas carteiras de negócios.
Agora, tenta falar esta verdade para o pobre. Vai dizer que você é um invejoso, que o fulano gera empregos (para explorar o outro e ganhar mais dinheiro) e riquezas (para si), que é “cidadão de bem” (esse é o conceito bolsonarista de cidadão de bem). Ou como diria Bernard Shaw: A diferença entre um assaltante e um homem de bem é que o assaltante rouba dos ricos”.
A impressão que tenho é que o alguns pobres curtem a autoflagelação. Se amarram no pelourinho e chicoteiam a si mesmos.
Como se os ricos já não fizessem isso por eles diariamente.
(*) Fernando Benedito Jr. é editor do DP.