(*) Thales Aguiar
Caros leitores, se há algo que a política brasileira nos ensina, é que nenhum governo governa sozinho. O Palácio do Planalto pode ser a sede do poder executivo, mas a vida real das decisões políticas se desenrola no Congresso Nacional. E é justamente aí que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta um de seus maiores desafios neste terceiro mandato. Lidar com um Congresso majoritariamente conservador, enquanto tenta implementar uma agenda progressista. Essa contradição não é nova, mas nunca foi tão evidente. Enquanto o Executivo busca políticas voltadas para justiça social, ampliação de direitos e fortalecimento do Estado como agente regulador, o Legislativo tem uma composição que, em grande parte, advoga por pautas mais rígidas, muitas vezes desalinhadas com essa visão.
O Congresso eleito em 2022 trouxe uma configuração ainda mais conservadora do que a de 2018. A chamada “bancada do boi, da bala e da Bíblia” ganhou força, refletindo um eleitorado que, mesmo sem garantir a reeleição de Jair Bolsonaro, ainda se identifica com suas bandeiras. Esse fortalecimento conservador não se limita à direita bolsonarista, mas se espalha também entre partidos do chamado Centrão, que se mostram pragmáticos e muitas vezes travam projetos progressistas em troca de cargos e emendas. A dificuldade de Lula em aprovar medidas prioritárias é latente. Programas sociais precisam passar pelo crivo de um Legislativo que, muitas vezes, enxerga tais políticas como gastos desnecessários. Não se trata apenas de números no Congresso, mas da própria dinâmica política. Diferentemente dos primeiros governos petistas, quando havia maior margem para negociação e uma esquerda mais robusta, hoje o presidente enfrenta um cenário de fragmentação partidária e um pragmatismo legislativo que prioriza interesses regionais e de bancada em detrimento de projetos nacionais.
O governo busca caminhos para contornar essas barreiras. O jogo político exige flexibilidade e concessões. A necessidade de compor alianças muitas vezes obriga o governo a ceder em pontos essenciais, o que pode frustrar sua própria base progressista. Nesse embate, quem perde e quem ganha? A sociedade brasileira assiste a essa queda de braço enquanto temas urgentes, como o combate à fome, a transição energética e a reforma tributária, enfrentam um ritmo legislativo que não acompanha a urgência da realidade.
A verdade é que a democracia é por natureza, um campo de disputas. O Brasil é um país de contrastes e reflete essa complexidade em seu cenário político. Mas a questão central permanece: até que ponto um Congresso conservador pode travar um governo progressista sem prejudicar o país? E até que ponto um governo progressista pode negociar sem perder sua essência? Esse impasse estrutural não é um fenômeno isolado do Brasil. Em diversas partes do mundo, governos eleitos com propostas progressistas enfrentam parlamentos mais resistentes às mudanças. A diferença está na capacidade de articulação e na pressão popular. E, se há algo que a história nos mostra, é que nenhuma estrutura política é imutável. O poder sempre responde a quem se organiza e cobra mudanças. Afinal, a política não acontece apenas em Brasília, ela se reflete no cotidiano de cada brasileiro que sente, na pele, as decisões (ou a falta delas) tomadas no Congresso.
(*) Thales Aguiar é jornalista e escritor, especialista em Ciência Política