(*) Natalia Littig
Enquanto Europa e EUA penam na 4ª onda de Covid-19, o Brasil parece uma ilha de calmaria na pandemia com redução do número de casos e óbitos. A pandemia no Brasil ainda não acabou, mas a que se deve esse fato? Não devemos nos enganar e pensar que isso tudo se deva a algum milagre enviado dos céus. Essa redução é mérito do trabalho árduo de uma força de trabalho gigante que move a saúde desse país e ao sucesso do maior programa de imunizações do mundo.
O brasileiro cresceu habituado a se vacinar e ouvindo dos profissionais de saúde o quanto as vacinas são importantes, participando de grandes campanhas de vacinação e vendo redução e o “sumiço” de doenças terríveis que afetavam nossas crianças. Nesse contexto, vacina não deve ser vista como um privilégio, mas um direito do povo brasileiro.
E no que diz respeito à vacinação contra a Covid-19, a adesão à vacinação foi o principal ponto de pressão para que o governo negacionista e antivacina procurasse meios para adquirir e fornecer mais doses à população. Ao contrário do que pregava e esperava o presidente da República, o povo quis se vacinar e brigou por isso, fazia “barraco” nos locais de vacinação quando as doses acabavam. A grande derrota do bolsonarismo, a adesão do povo à vacina e a redução do número de casos ocorrida após a ampliação da oferta de doses provou o que a ciência já relatava, só com vacinação em massa conseguiríamos apaziguar a tragédia que ocorria no Brasil, recorde de casos e óbitos.
A alta adesão da população à campanha de vacinação contra Covid-19 no Brasil, mais do que uma derrota para o negacionismo, é uma vitória do Programa Nacional de Imunização, não da sua “não-coordenação” nacional, de fato, é uma vitória de cada vacinador, ACS, coordenador local do programa, de cada trabalhador do SUS. Vitória do empenho e abdicação para realização de ações de mobilização da campanha, das ações extramuro, de vacinação em domicílio dos acamados, idosos com dificuldade de mobilidade e deficientes, ações nas comunidades rurais de difícil acesso, em que foi preciso desatolar veículos, subir no lombo de animal, navegar em pequenas embarcações, ações em que foi preciso improvisar o ponto de vacinação em terreiros na roça, em aldeias indígenas, igrejas, escolas e associações comunitárias, enfim todas as ações que contaram com a criatividade e o trabalho duro de um exército invisível. A campanha foi uma vitória também dos agentes comunitários de saúde que buscaram nas comunidades aqueles não vacinados, avisando que sua dose estava disponível, avisando as datas e horários para comparecer nas UBS’s, vestindo-se de Zé Gotinha para animar as longas filas dos dias de vacinação, organizando essas filas, distribuindo senhas, verificando dados e orientando pacientes.
De fato, o sucesso dessa campanha vem principalmente daqueles que não aparecem, daqueles que recebem os menores salários no conjunto dos trabalhadores da assistência à saúde, daqueles que se exauriram para garantir que toda a população apta a vacinar tivesse a oportunidade de receber o imunizante, daqueles que não se deixaram abater por discursos antivacina disseminados até mesmo pelo presidente da República, que conversavam com as pessoas, convencendo e derrubando cada mentira, daqueles que precisaram se afastar do trabalho presencial por ser de grupo de risco, e deram sua contribuição à campanha, organizando e articulando ações, registrando doses em sistema, orientando e tirando dúvidas de questões técnicas dos vacinadores, daqueles atuantes na rede ativa e conjunta de profissionais de vários municípios que vi se auxiliar sem descanso, compartilhando conhecimento, experiências, estratégias bem sucedidas, fotografias e vídeos de situações inusitadas e belas do dia-a-dia de trabalho através da interação de grupos de whatsapp. A vitória do que conquistamos até aqui, nessa luta que parece não ter fim, vem da dedicação da força de trabalho do SUS.
Não haveria tantas doses aplicadas se não fosse esse sistema tão agredido e mal falado, o SUS. Aquele que fora tão atacado e jurado de morte pelo fascismo mostrou seu vigor e força nessa pandemia. Derrotou todos os discursos que tentavam desqualificá-lo e mostrou para o povo brasileiro que é, um dos ou o maior patrimônio desse país. Mais do que nunca os brasileiros viram e experimentaram o que é ter saúde enquanto direito e direito garantido.
Viva o SUS!
(*) Natália Littig é enfermeira e epidemiologista da SRS (Superintendencia Regional da Saúde), Cel. Fabriciano/MG.