(*) Fernando Benedito Jr.
Museu da pequena cidade do Oeste Paulista, reúne cerca de 25 mil peças de cerâmica e outros artefatos guaranis do Vale do Paranapanema; um dos achados mais antigos é datado de 205 Depois de Cristo
IEPÊ (SP) – No pequeno município de Iepê, no Oeste Paulista, interior de São Paulo, está localizado um dos museus com maior número de artefatos arqueológicos e etnológicos de origem Guarani de todo o País. Embora modesto e com uma estrutura precária, o Museu de Arqueologia de Iepê, também conhecido como Museu do Índio, guarda um verdadeiro tesouro arqueológico com cerca de 25 mil peças datadas de cerca de 1000 anos Depois de Cristo. O acervo foi coletado em 12 sítios arqueológicos descobertos na bacia hidrográfica do rio Paranapanema, como os de Pernilongo e Aguinha.
AGRONEGÓCIO
A cidade de Iepê, embora pequena e com poucos habitantes é um dos grandes produtores de soja do Oeste Paulista, em seus 596,0 km² de território. As terras ocupadas pelos povos originários da etnia Guarani se transformaram em grandes campos de soja, milho e cana de açucar. Exceto algumas pequenas manchas de matas nativas que sequer chegam a cobrir o percentual exigido por lei para a reserva legal, pouco ou nada sobra do território primitivo. Mesmo as abundantes águas dos rios que compunham a bacia do Paranapanema não existem nas mesmas proporções, secaram ou viraram barragens das companhias hidrelétricas.
Foram alguns dos produtores agrícolas mais conscientes que perceberam o valor histórico dos primeiros artefatos indígenas, durante o preparo do solo para o plantio. Um deles foi Roberto Ekman Simões, patrono do Museu Arqueológico, que preservou os achados e os entregou aos primeiros pesquisadores.
A CIDADE
Às margens do rio Paranapanema, entre seus afluentes Capivara e Laranja Doce, iniciou-se, em 1917, o povoamento da região. Mas, somente em 1924, surgiu o primeiro povoado, com o nome de São Roque, em terras doadas no município de Conceição do Monte Alegre.
Por motivos religiosos, não foi permitida a fixação de protestantes na localidade, acarretando a formação de outro povoado, em terras de Antônio de Almeida Prado, ao qual foi dado o nome de Liberdade. Com o rápido desenvolvimento do núcleo, em 1927, Liberdade foi elevado a Distrito de Paz, passando a se chamar Iepê, palavra que significa “Liberdade”, que seria derivado do tupi-guarani. Alguns filólogos consideram o topônimo derivado de “oiepê “, que quer dizer “o número um”, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
OS GUARANI
Segundo a Comissão Pró-Índio de São Paulo, o povo indígena Guarani está localizado em cinco países sul-americanos: Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Bolívia. Não há um censo absoluto capaz de contabilizar exatamente a população Guarani na América do Sul. A estimativa do Conselho Indigenista Missionário é de que sua população seja de 225 mil pessoas.
No Brasil – estima a Comissão Pró-Índio – essa população está em torno de 67.523 índios (IBGE, 2010) distribuídos principalmente nas regiões Sul (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná), Sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo) e Centro-Oeste (Mato Grosso do Sul). Trata-se de uma das maiores populações indígenas do país, representando mais de 7% dos 896.917 indígenas existentes em território nacional (IBGE, 2010). Em São Paulo, a sua população é de 4.138 pessoas.
Os Guarani que vivem no Brasil se dividem em três subgrupos: Ñandeva, Kaiowá e Mbya. Tal classificação foi adotada nos anos 1950 pelo antropólogo Egon Schaden e está pautada, sobretudo, em suas observações sobre as diferenças no dialeto, nos costumes e nas práticas rituais entre este povo.
A 137 km ou cerca de 2 horas de distância de Iepê está a Terra Índigena Vanuíre, nos municípios de Arco Íris e Tupã, um dos poucos remanescentes indígenas no Estado de São Paulo. Ali convivem representantes de etnias Kaigang, Krenak (vindos do Vale do Rio Doce, em Minas Gerais), Terena, Fulni-ô, Atikum, Kaingang-Krenak. A população é de cerca de 251 pessoas (Sesai, 2020), ocupando uma área de 708,9304 hectares.
O MUSEU
O Museu de Arqueologia de Iepê (SP) começou a reunir suas peças por volta de 1997, quando os fazendeiros mobilizaram os pequisadores, e tem por objetivo levar à comunidade, em parceria com a Faculdade de Ciências e Tecnologia/UNESP e o Museu de Arqueologia e Etnologia/USP, os conhecimentos produzidos no âmbito da pesquisa arqueológica sobre a pré-história regional do Vale do Paranapanema (SP).
As pesquisas arqueológicas realizadas no município de Iepê possibilitaram o resgate de aproximadamente 25 mil objetos referentes a cultura material dos índios guarani. O achado mais antigo foi datado de 205 anos Depois de Cristo. São urnas funerárias, recipientes de argila, lâminas de machado de pedra, polidores, pontas de flecha, boleadeiras, adornos (tembetá, brinco), etc. O material, já analisado, está exposto no museu. Outro tanto, já catologado está guardado em inúmeras caixas no próprio museu e outras instituições.
PEDRA POLIDA
No Vale do Rio Paranapanema, por volta de 1.000 anos antes do presente, o Homem pré-histórico começou a polir a pedra. Instalado em aldeias situadas em flancos de colinas, o homem polia basaltos e diabásicos, rochas abundantes na região, confeccionando lâminas de machado polidas, almofarizes, mão de pilão, adornos e outros instrumentos. O polimento da pedra resultou em novas atividades econômicas, ligadas a uma agricultura incipiente.
PEDRA LASCADA
As técnicas de lascamento de pedras são antigas. No Vale do Paranapanema paulista, o lascamento de uma rocha chamada arenito silificado começou há cinco milênios. O homem pré-histórico confeccionava pontas de flecha, raspadores, lâminas de machado, furadores e outros artefatos de arenito silificado, sílex e quartzo. Essas matérias-primas são abundantes na região de Iepê, na forma de seixos.
No Museu de de Arqueologia de Iepê encontra-se entre inúmeros outros artefatos a maior urna funerária Guarani do Brasil.
Na pré-história do Paranapanema paulista, a confecção de vasilhas de cerâmica alcança uma faixa cronológica de 1000 antes do presente. É, portanto, contemporânea do polimento da pedra. As populações ceramistas da região instalaram-se em aldeias formadas por, aproximadamente, dez habitações; ficavam em flancos e colinares de convexidade suave, próximos a um córrego, porém em posição distante de inundações.
OS GUARANIS E A CERÂMICA
Os índios guarani que viveram nas terras próximas ao rio Paranapanema observavam as características da paisagem para instalar seus assentamentos. Dentre os geoindicadores observados para o estabelecimento de um assentamento estavam a hidrografia, o relevo, o clima, a vegetação a fauna, a disponibilidade de rocha apta ao lascamento e de depósitos de argila para a confecção de cerâmica.
A fonte de matéria-prima utilizada na confecção da cerâmica guarani são as argilas plásticas. Essas argilas, geralmente, situavam-se na base de colinas, nos afloramentos aluviais. Para melhorar a plasticidade da argila, as oleiras adicionavam fragmentos de cerâmica moída. A cerâmica era produzida pela técnica de acordelamento e queimada em fogueiras a céu aberto.
Os Guarani confeccionavam diferentes tipos de vasilhas, segundo suas finalidades: potes de vários tamanhos, tigelas, pratos ou assadores. Geralmente, a superfície de cerâmica era decorada com motivos ou com relevos diversos, realizados com as pontas dos dedos (cerâmica corrugada), com as unhas (cerâmica ungulada), com espinhos (cerâmica incisa) ou de outras maneiras.
As casas dos Guarani eram feitas de madeira em formato elíptico e retangular. Usavam, para a cobertura, folhas de palmeiras, sapé, cascas de árvores. Desenvolveram no interior de suas aldeias muitas atividades. A mais conhecida é a confecção da cerâmica, por não ser perecível ao tempo e se conservar por longos períodos. Essa cerâmica era utilizada, basicamente, para fabricar recipientes que armazenavam alimentos e bebidas.
Além do espaço de suas casas e da roça, onde plantavam milho, os horticultores acupavam um vasto território para coleta de frutos, raízes, ovos, pigmentos, sementes, caça e pesca. O Rio Paranapanema servia como via para canoas construídas em madeiras. Os afluentes do Rio Paranapanema eram utilizados para coleta de água, banhos, etc. Os índios conheciam muito bem o território e sabiam aproveitar a biodiversidade nele existente.
Os índios guarani viviam em áreas de mata tropical e subtropical, clima úmido, regiões de relevo ondulado e em matas ciliares. Seus domínios territoriais são classificados em três: o Guará (vasta região de ocupação dos grupos guarani), o Tekohá (aldeias nas quais cada grupo utulizava o espaço para reproduzirem suas relações econômicas, sociais, políticas e religiosas) e o Teii (casa de uma família extensa guarani, onde viviam com seus parentes).
ORIGEM
A origem do povo guarani remonta à família dos tupi-guarani que teria surgido há 5 mil anos atrás, na Amazônia Central. Nesse contexto, sofreram um processo de expansão ocupando espaços de ambientes florestais, desde a Amazônia até a foz do Prata, através do curso dos rios Paraguai, Paraná e Uruguai, circundando o planalto central brasileiro.
Entre os muitos povos que compunham a etnia Guarani está a nação Kaingang, que faz parte da família linguística Jê, tronco Macro-Jê. Os vestígios arqueológicos desse grupo pertencem à Tradição Itararé. A cerâmica, comumente, é simples, de cor cinza ou marrom, sem decoração. Os líticos dessa tradição são caracterizados por pedras lascadas e polidas. Na Bacia do Rio Paranapanema seus vestígios arqueológicos foram encontrados em alguns sítios da Tradição Guarani, evidenciando um contato entre as etnias.
(*) Fernando Benedito é editor do DP.