Esse é o quarto procedimento instaurado em MG para investigar possível responsabilidade de empresas na repressão praticada durante o regime militar
Foto: Operários exibem ferimentos provocados por rajadas e tiros disparados pela polícia e vigilantes em 1963
BH – O Ministério Público Federal (MPF) instaurou um inquérito civil para apurar a eventual responsabilidade da empresa Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais S.A. (Usiminas) na sistemática violação de direitos humanos cometidos no período da ditadura militar no Brasil, por meio de colaboração com os órgãos de repressão estatais. As investigações decorrem do relatório final dos trabalhos realizados pela Comissão da Verdade em Minas Gerais, que apontou violações cometidas contra trabalhadores da Usiminas no dia 7 de outubro de 1963, no episódio que ficou conhecido como Massacre de Ipatinga.
MASSACRE
Segundo o documento, nessa data, a força policial militar efetuou grande número de disparos contra uma multidão de trabalhadores da siderúrgica que estavam protestando na porta da empresa, na cidade de Ipatinga, localizada na região do Vale do Aço. De acordo com os dados oficiais, a ação causou ao menos oito mortes e feriu 92 pessoas. O relatório aponta ainda que o massacre promovido nos dias 6 e 7 de outubro de 1963 foi o conflito operário mais sangrento e com maior número de vítimas já ocorrido no Brasil.
RESPONSABILIZAÇÃO
No inquérito, o MPF vai apurar se houve colaboração da empresa nesses atos, identificando, se possível, os responsáveis e as vítimas. A abertura do procedimento foi motivada por requerimento aprovado na Comissão do Trabalho, da Previdência e a Assistência Social da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais encaminhado ao Ministério Público.
AGENTES INFILTRADOS
Em seu relatório final, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) aponta o envolvimento do grande empresariado com o aparelho de repressão do regime militar. Segundo o documento, a aliança de empresas com o regime autoritário que vigorou no Brasil até 1985 buscava reprimir a organização dos trabalhadores, tendo como alvo principal os movimentos sindicais.
O estudo demonstra que agentes da repressão se infiltravam entre os operários, possibilitando uma estreita colaboração entre a nova burocracia sindical e os órgãos de repressão. Além disso, foram criadas Assessorias de Segurança e Informação (ASI) no interior das estatais e dos setores de recursos humanos das empresas privadas, para possibilitar o fornecimento de ‘listas negras’ ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), ao Destacamento de Operações de Informações (DOI) e aos Centros de Operações de Defesa Interna (Codi), todos órgãos de repressão do regime autoritário.
OUTRAS APURAÇÕES
Esse é o quarto inquérito aberto pelo MPF em Belo Horizonte para investigar os atos de colaboração com a ditadura praticados por grandes empresas sediadas em Minas Gerais. Os outros procedimentos apuram eventual responsabilidade da Fiat Automóveis S.A e das Companhias Siderúrgicas Belgo Mineira e Mannesmann. De acordo com relatório da CNV, essas empresas teriam colaborado com o sistema de repressão do governo militar em troca de informações sobre o movimento sindical. As investigações ainda estão em curso.
O MPF realiza diligências para apurar os fatos, requisitando documentos e realizando oitivas de testemunhas e vítimas. A investigação também conta com trabalhos de pesquisa histórica realizados por equipes de estudiosos, que se dedicam a resgatar informações sobre os casos relacionados a cada uma das empresas. Tais pesquisas são financiadas por recursos oriundos de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado pelo MPF, e as equipes são coordenadas pela Universidade de São Paulo (USP).
BELO E MANNESMANN
As pesquisas históricas sobre a Belgo Mineira e a Mannesmann tiveram início em janeiro deste ano e a previsão é de que sejam concluídas até o próximo mês de dezembro. A pesquisa sobre a Fiat, por sua vez, iniciada em 2022, já foi concluída, estando pendente apenas da complementação de alguns dados pelos pesquisadores, o que também deverá ocorrer até o fim de 2023.
JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO
A atuação do MPF, fundamentada na legislação nacional e internacional de proteção aos direitos humanos, atende também aos princípios da Justiça de Transição, que, para ser efetiva, deve apoiar-se no direito à memória e verdade, na garantia de não repetição, na reparação das vítimas e na punição dos responsáveis.
Em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao condenar o Brasil por violações perpetradas durante o regime militar no caso Gomes Lund, determinou que o Estado brasileiro deve continuar desenvolvendo as iniciativas de busca, sistematização e publicação de toda informação relativa a violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar. Inquérito Civil nº 1.22.000.003064/2023-44