Ministério Público vê a prática dolosa de ações estruturadas e complexas, que constituem patentes atos de improbidade administrativa, com envolvimento coordenado de agentes públicos e privados; MP quer fim de contratos, devolução de R$ 40 milhões e punição de envolvidos
IPATINGA – O promotor de Justiça, Humberto Henrique Rufino de Miranda, da Curadoria do Patrimônio Público de Ipatinga, propôs Ação Civil Pública por atos de improbidade administrativa contra o prefeito Gustavo Nunes (PL), vários ex-secretários e a P. Avelar Consultoria e Serviços por prática reiterada e persistente da utilização do sistema de Registro de Preços e da Adesão a Ata de Registro de Preço fora das condicionantes legais. Os contratos feitos por este sistema somam mais de R$ 40 milhões.
Conforme o Ministério Público a P. Avelar possuía, à época das contratações, um capital social de apenas R$ 150 mil e folha de pagamento anual de pouco mais de R$ 5 mil, e se tornou beneficiária de contratos públicos junto à administração municipal de Ipatinga/MG que, somados, passaram de R$ 3 milhões, e isso tudo em um interregno de pouco mais de um mês entre uma adesão e outra.
DOCUMENT DUMP
Durante o processo de apuração dos fatos, o Ministério Público fez recomendação à Prefeitura de Ipatinga sobre as eventuais irregularidades nas adesões às atas de registro de preço, uma vez que o caminho usual são os processos licitatórios.
Embora, num primeiro momento, a Prefeitura tenha acatado recomendação do MP no sentido de parar com as adesões a atas, posteriormente, o governo se contradisse, numa confusa resposta, conforme ofício anexado aos autos: “Assim, a manifestação das Secretarias Municipais no sentido de não terem a intenção de adesão manifesta no presente documento, não exclui a possibilidade de fazê-lo, não se tratando, portanto, de uma afirmativa no sentido que não o farão”.
Não bastasse a afronta ao MP, a Prefeitura ainda tentou confundir o órgão de controle e embaralhar as informações, enviando-lhe mais de 17 mil páginas de documentos “numa aparente tentativa de dificultar a análise dos órgãos de controle, prática que configura document dump“.
AÇÕES ESTRUTURADAS
O procedimento instaurado pelo Ministério Público, afirma que “os fatos expostos trazem elementos suficientes que comprovam a prática dolosa de ações estruturadas e complexas que constituem patentes atos de improbidade administrativa, com envolvimento coordenado de agentes públicos e privados, com o objetivo não só de fraudar as licitações de Ipatinga/MG, quando sabidamente necessárias, mas também de direcionar as contratações para a pessoa jurídica P. Avelar, bem como, dificultar o próprio acompanhamento/conhecimento dos fatos pelos órgãos de controle”.
CARONA
Segundo o MP “todas as contratações ora questionadas têm a seguinte circunstância em comum: decorrem de adesões em ata de registro de preços como carona, realizadas por consórcios multifinalitários situados na região Norte de Minas Gerais”.
O Sistema de Registro de Preços possui três figuras: a) o órgão gerenciador, responsável pela licitação para elaboração da ATA; b) órgãos participantes, que já indicam seus quantitativos, que são incluídos na ata e c) órgãos não participantes, denominados caronas, pois não participam da licitação para elaboração da ATA, mas solicitam autorização para contratar o objeto registrado. O último caso é no qual se enquadra a Prefeitura de Ipatinga.
O Ministério Público alerta: “Veja-se: atenta contra os princípios da Administração Pública a adoção do procedimento da ‘adesão’ ou ‘carona’ ao Sistema de Registro de Preços feito por um ente público, de cujo objeto é a prestação de serviço milionário de projeto de engenharia, arquitetura e gerenciamento de obras, em benefício exclusivo de uma empresa já previamente conhecida e sem que ofertada a disputa entre todos os interessados para o alcance de proposta mais vantajosa ao interesse público”.
CONTRATOS
O primeiro contrato da empresa P. Avelar junto ao município foi entabulado em meados do ano de 2021, ou seja, no início da atual gestão. Até o presente momento, a P. Avelar já foi beneficiária de mais de R$ 40.000.000,00 (quarenta milhões de reais) em contratos públicos junto à Administração Municipal de Ipatinga/MG (isso sem considerar todos os aditamentos, apostilamentos e prorrogações, que não foram adequadamente informados ao Ministério Público). Todos os contratos, repise-se, frutos de adesões flagrantemente irregulares em ata.
A seguir, a síntese de contratos (e que são objetos da presente demanda) decorrentes de adesão e cuja beneficiária é a P. Avelar:
- ADESÃO EM ATA N.º 13/2021 – Contrato n.º 73/2021 – Valor inicial: R$ 315.830,64.
- ADESÃO N.º 014/2021 – SEMOP – Contrato n.º 84/2021 – Valor inicial R$ 186.818,06 (na verdade, a real adesão requerida, como se exporá, foi de R$ 2.008.000,00).
3) ADESÃO EM ATA N.º 15/2021 – Contrato n.º 110/2021 – Valor inicial: R$ 16.163.794,52.
4) ADESÃO N.º 13/2022 – PROGER – Contrato n.º 133/2022 – Valor Inicial: R$ 15.000.000,00.
CODANORTE
No caso das “caronas” feitas pela Prefeitura de Ipatinga, o órgão gerenciador, isto é, responsável pela licitação para elaboração da Ata, é a Codanorte, de Montes Claros. A Codanorte fez uma ata no valor de R$ 60 milhões e Ipatinga aderiu com R$ 20 milhões. Num total de R$ 80 milhões. O curioso é que na região de Montes Claros e não existe nenhum contrato firmado com municípios daquela região com a P. Avelar.
PRIVILÉGIO
O Ministério Público reconhece que o Sistema de adesão a atas de registro de preço não é um procedimento ilegal e está previsto na Lei de Licitações (Lei8.666). “O SRP é importante instrumento de gestão das compras públicas e contratações corporativas, conferindo padronização, economicidade e eficiência nas aquisições de bens e serviços (…)
Todavia, seu uso deve estar circunscrito às condicionantes legais, sob pena de se desvirtuar o procedimento legal, abrir margem para contratações espúrias e fraudar a licitação, mormente, pelo seu direcionamento, em ofensa ao art. 37, inciso XXI, da CR/88”, assinala o procedimento do MP.
De acordo com as apurações do Ministério Público, as contratações da P. Avelar feitas pela Prefeitura não obedecem qualquer critério de isonomia, impessoalidade ou condicionantes.
“O feito em questão – assinala – tem por objeto apenas as adesões em ata que possibilitaram a contratação da empresa P. Avelar EIRELI. Foi apurado que tal pessoa jurídica ostenta posição privilegiada em uma série de contratos públicos com a Administração Municipal de Ipatinga/MG, que reiteradamente chegam ao conhecimento do Ministério Público, inclusive, por meio de Ouvidoria institucional”.
E prossegue: “Em verdade, como adiante será pormenorizado, a P. Avelar é responsável por grande parte das atividades e serviços dos mais variados realizados pelo município. Sozinha, promove desde complexas obras de reformas em imóveis da administração, projetos de engenharia, modernização do prédio do Poder Executivo, a até REURB-S de mais da metade dos bairros de Ipatinga/MG”.
Porém, o contrato inicial foi aditado (Termo Aditivo n.º 01/2022), conquanto se tenha vedação legal, em mais R$ 315.830,64. Isto é, o dobro do inicialmente previsto, sem qualquer referência relativa ao respeito dos limites de adesão à ata em questão.
PEDIDO
O Ministério Público ao pedir a instauração de Ação Civil Pública pede o fim dos contratos com a P. Avelar, indisponibilidade dos bens da P. Avelar, devolução de R$ 40 milhões aos cofres públicos, punição e multa ao prefeito e ex-secretários envolvidos nas contatações.