Manifesto em defesa do rio é resultado do II Encontro da Rede Rio Doce e exorta governos, a comunidade internacional, empresas e cidadãos a assumirem um mutirão global pela regeneração do rio e do território
A Rede Rio Doce, movimento em defesa do principal curso d’água que nasce em Minas Gerais e percorre grande parte de seu território até à foz em Regência, no Espírito Santo, preparou a Carta do Rio Doce com o objetivo de apresentá-lo à COP 30 em Belém (PA). A 30ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – a chamada Conferência das Partes, ou COP30, acontece, oficialmente, entre os dias 10 e 21 de novembro.
O Manifesto do Rio Doce para a COP 30 destaca que a ação climática deixou de ser apenas um tema ambiental e tornou-se um desafio humano e existencial. “É nesse contexto que nós, cidadãos e comunidades ribeirinhas, povos originários, entidades da sociedade civil, universidades, movimentos sociais, instituições públicas e privadas, reunidos no II Encontro da Rede Rio Doce, dirigimo-nos à COP 30 para conclamar governos, a comunidade internacional, empresas e cidadãos a assumirem, juntos, um mutirão global pela regeneração do nosso território”.

A íntegra da Carta do Rio Doce é a seguinte:
Manifesto do Rio Doce para a COP 30
Pela Reconstrução e o Desenvolvimento Ambiental, Social, Cultural e Econômico do Rio Doce
Parque Estadual do Rio Doce – 30 de agosto de 2025
Um Clamor Urgente pelo Rio Doce Vivo
O ano de 2025 marca um ponto de inflexão histórico: vivemos simultaneamente uma crise climática global e uma oportunidade única de mudança. A ação climática deixou de ser apenas um tema ambiental e tornou-se um desafio humano e existencial. É nesse contexto que nós, cidadãos e comunidades ribeirinhas, povos originários, entidades da sociedade civil, universidades, movimentos sociais, instituições públicas e privadas, reunidos no II Encontro da Rede Rio Doce, dirigimo-nos à COP 30 para conclamar governos, a comunidade internacional, empresas e cidadãos a assumirem, juntos, um mutirão global pela regeneração do nosso território.
O Rio Doce é um patrimônio ecológico, histórico e cultural de dimensão nacional. Suas águas percorrem dois estados, alimentam inúmeras nascentes e subbacias, sustentam a biodiversidade, abastecem milhões de pessoas e integram a maior reserva contínua de Mata Atlântica de Minas Gerais: o Parque Estadual do Rio Doce (PERD), criado como gesto visionário de defesa da natureza.
O Rio Doce é também um território de dor e resistência. Tragédias ambientais, culminando nos rompimentos de barragens que devastaram suas águas e ecossistemas, impõem a todos nós o dever ético e civilizatório de promover sua regeneração.
Este manifesto nasce da dor das perdas, mas sobretudo da esperança na força regenerativa do Rio e de seu povo.
O Valor do Território e de seus Povos
O Rio Doce abriga histórias ancestrais e resistências vivas. Os povos originários que lutaram por suas terras e tradições merecem reconhecimento, reparação e protagonismo nas decisões sobre o futuro da bacia.
Defendemos a valorização e o fortalecimento das culturas locais, dos saberes tradicionais e das expressões artísticas e espirituais que constituem a identidade do Vale do Rio Doce. Reconhecemos iniciativas exemplares de recuperação e preservação ambiental — como o Instituto Terra, a gestão do Parque Estadual do Rio Doce (PERD) e a atuação da Associação de Amigos do Parque Estadual do Rio Doce (DUPERD) — e ressaltamos a urgência de fortalecer comitês de bacia e sub-bacias como espaços de planejamento, deliberação e participação social para a recuperação plena do território.
Um Chamado à Ação Imediata
Conclamamos todos os agentes econômicos e sociais — empresas, prefeituras, universidades, organizações da sociedade civil, agricultores e cidadãos — a assumirem sua responsabilidade coletiva pela regeneração do Rio Doce e de suas sub-bacias, numa grande aliança de solidariedade e inovação. Destacamos ainda que a superexploração e o uso super extensivo de pastagens, tanto em pequenas quanto em grandes propriedades e escalas, resultaram em vastas áreas degradadas. É urgente adotar práticas regenerativas, inovações agropastoris, recomposição florestal, requalificação sistêmica das cabeceiras e recuperação das paisagens para garantir a saúde do território.
A presidência da COP 30 propôs um “mutirão global” para enfrentar a crise climática. É neste espírito que pedimos que a Conferência seja um verdadeiro ponto de virada: que governos, setores produtivos e indivíduos unam esforços de forma inédita para implementar soluções concretas e inclusivas.
Para tanto, é necessário:
– Enfrentar os danos ambientais acumulados por décadas de exploração predatória;
– Viabilizar projetos que garantam trabalho e renda para as populações ribeirinhas e impulsionem as economias locais;
– Valorizar tradições culturais e comunitárias, fortalecendo o pertencimento e a identidade local;
– Oferecer assistência técnica, capacitação e apoio para projetos que promovam o uso sustentável da terra, da água e dos recursos naturais;
– Elaborar e implementar Planos Locais de Ação Climática, com diagnóstico e projetos de melhoria;
– Destinar recursos do novo Acordo Rio Doce e de políticas de financiamento climático diretamente às comunidades locais, com controle social e transparência.
Por um Futuro Justo e Sustentável
Reafirmamos o compromisso da Rede Rio Doce em:
– Contribuir para o alinhamento da região aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e às Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) do Brasil;
– Participar ativamente da Cúpula dos Povos na COP 30, em Belém, levando as vozes da Bacia do Rio Doce à cena global;
– Implementar o Inventário de Gases de Efeito Estufa ao longo da bacia, responsabilizando agentes econômicos e viabilizando projetos de inversão de carbono;
– Estruturar o Museu do Rio Doce como espaço de memória, ciência e futuro;
– Estimular redes de ecoturismo comunitário, agroecologia, cadeias produtivas locais, audiovisual e economia solidária.
O Rio Doce pode e deve tornar-se um exemplo mundial de justiça climática e de transição ecológica justa, mostrando que é possível recuperar territórios degradados e, ao mesmo tempo, gerar dignidade e prosperidade para seu povo.
Conclusão: Um Compromisso Coletivo
O Rio Doce é símbolo de resiliência. Sua recuperação é possível e necessária. Não é apenas uma tarefa técnica, mas um compromisso ético e civilizatório.
Solicitamos à COP 30 e à comunidade internacional que reconheçam e apoiem este movimento de reconstrução do Rio Doce como modelo de regeneração ecológica, desenvolvimento sustentável e justiça socioambiental, e que façam deste evento um verdadeiro ponto de virada na luta climática, convergindo ação individual e liderança governamental para resultados concretos. Que o Rio Doce volte a ser um rio de vida. Que seu povo tenha um futuro de dignidade. Que suas florestas e culturas floresçam novamente.
Rede Rio Doce
Parque Estadual do Rio Doce, 30 de agosto de 2025



