De 27 a 29 de novembro, mais de 30 especialistas de nove países debaterão o ideário anticomunista e conspiracionista por diferentes ângulos; participação é gratuita
BH – A despeito do quão disparatada soem, na conjuntura atual, evocações feitas a sério ao chamado “perigo vermelho”, a verdade é que o discurso anticomunista segue ainda hoje sendo um dos mais importantes recursos para a manutenção da mobilização do ideário da extrema-direita contemporânea. A resiliência desse espantalho discursivo se manifesta em diferentes cenários: seja no Brasil, tendo como alvo um partido de origem trabalhista que governa, na prática, à moda de quem apenas deseja acomodar laivos de social-democracia em meio a uma rotina entregue ao liberalismo econômico, seja nos Estados Unidos, onde a disputa política nem mesmo ocorre entre esquerda e direita, mas entre liberalismo e conservadorismo.
DELÍRIO AMERICANO
“Na última eleição para a presidência dos Estados Unidos, por exemplo, o tema do anticomunismo esteve outra vez bastante presente – por exemplo, em acusações de que Kamala Harris (candidata do partido Democrata) seria comunista e em uma marcha anticomunista protagonizada por seguidores de Donald Trump (candidato do partido Republicano, vencedor do pleito), em Miami, alguns dias antes das eleições”, lembra Rodrigo Patto Sá Motta, professor do Departamento de História da UFMG. “No Brasil, o tema foi mobilizado, nas últimas eleições municipais, por vários candidatos da direita radical, que procuravam convencer eleitores a votar neles para ‘deter os comunistas’”, lembra o historiador, especialista não apenas no tema, mas também na história do Brasil República e em história contemporânea.
ATAQUE A PAUTAS PROGRESSISTAS
Segundo Rodrigo Patto, a existência ou não de amparo real para o mito da ameaça comunista é algo, em certa medida, dispensável para a sua manutenção. “Comunistas, propriamente, há muitos poucos, e menos ainda no governo do Brasil, mas a verdade é que os discursos anticomunistas nem sempre correspondem à realidade. Na prática, como em ocasiões passadas, o anticomunismo serve para atacar todas as pautas progressistas e para unir a direita contra um único inimigo comum, ainda que imaginário”, pontua. “Hoje, os discursos anticomunistas seguem mobilizando pessoas e sendo usados por políticos oportunistas, que manipulam medos e ansiedades em relação a possíveis mudanças culturais e sociais identificadas com a esquerda”, acrescenta.
SEMINÁRIO
O tema do “perigo vermelho” será largamente debatido na UFMG esta semana, durante o seminário internacional “Anticomunistas e conspiracionismos no Brasil e nas Américas: passados, presentes”. Coordenado por Rodrigo Patto, o evento será realizado na Universidade, de 27 a 29 de novembro, e reunirá, em nove mesas, mais de 30 especialistas do Brasil e de Alemanha, Argentina, Chile, França, Inglaterra, México, Peru e Uruguai. Entre outros temas, serão discutidas as conexões regionais e transnacionais do enfrentamento aos “vermelhos”, o aspecto moral e religioso desse enfrentamento, a vertente integralista/fascista do anticomunismo e a guerra psicológica que, muito amparada pela propaganda, foi encenada mundialmente no contexto da Guerra Fria, no século passado.
ANGÚSTICAS E TEMORES
No evento, os participantes também vão debater o fato de que, com frequência, o anticomunismo costuma assumir o caráter de teoria conspirativa. “Narrativas conspirativas são fenômenos sociais presentes há vários séculos. Eles indicam ansiedades e temores agudos partilhados por certos grupos humanos, que incidem especialmente em períodos de crise e de mudança social”, diz o professor.
“Com base em visões simplificadoras, as teorias conspirativas apontam agentes sinistros que, atuando desde as sombras, seriam os responsáveis pelos mais diferentes ‘males’. São intenções ‘sinistras’, que teriam ‘desdobramentos malignos’. Entretanto, os discursos conspiracionistas muitas vezes dizem mais sobre os próprios grupos que os proferem do que sobre os supostos agentes malignos denunciados”, demarca.
O seminário “Anticomunismos e conspiracionismos no Brasil e nas Américas: passados, presentes” é organizado pelo Laboratório de História do Tempo Presente (LHTP), da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) da UFMG, em parceria com as universidades de Tubinga, da Alemanha, e de Paris, da França. Suas atividades terão lugar no auditório 1 da Faculdade de Ciências Econômicas (Face), no campus Pampulha. As inscrições para ouvintes, gratuitas, estão abertas, mas as vagas são limitadas.
PERIGO VERMELHO
Organizador do seminário, Rodrigo Patto é autor de “Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964)”, livro em que ele analisa justamente o processo de enraizamento da tradição anticomunista no Brasil e seus desdobramentos autoritários. Pioneira, a obra desdobra os achados da tese de doutorado defendida pelo historiador em 2000 na Universidade de São Paulo (USP).
Por meio de um estudo pioneiro relacionado ao impacto político das campanhas contra o “perigo vermelho”, Rodrigo Patto demonstra como elas acabaram abrindo caminho para as duas ditaduras mais duradouras da nossa história, iniciadas em 1937 (Estado Novo) e 1964 (Ditadura Civil-Militar). O livro destrincha o papel desempenhado pelo anticomunismo no Brasil no desenrolar das conjunturas críticas dos ciclos de 1935-1937 e de 1961-1964, períodos em que se estabeleceram as condições para o advento das respectivas ditaduras. “Em ambas as ocasiões, as supostas ameaças do comunismo foram o principal argumento para estabelecer os dois regimes autoritários mais longos da história republicana brasileira”, anota-se em uma das sinopses da obra.