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Massacre de Ipatinga faz 53 anos de absoluta impunidade

IPATINGA – Nesta sexta-feira (7) lembra-se o 53º aniversário do Massacre de Ipatinga, uma das datas mais trágicas da história da cidade. Em 7 de outubro de 1963, Ipatinga viveu um seus mais violentos e sangrentos dias. Centenas de trabalhadores revoltados com as arbitrariedades de cavalarianos da polícia e indignados com as constantes revistas a que eram submetidos pelos vigilantes da Usiminas, além de protestarem contra as condições de trabalho, deflagram um movimento de repercussão violenta, com um saldo de vários mortos e feridos. No dia 26 de outubro, a Usiminas completaria um ano em plena produção siderúrgica.

ARBITRARIEDADES

Segundo o livro “O Massacre de Ipatinga”, do jornalista e historiador Carlindo Marques, os conflitos que culminaram com o massacre do dia 7 foram resultado de uma série de arbitrariedades que vinham sendo cometidas há muito tempo e se acumulavam com as reivindicações por aumento salarial e melhores condições de trabalho. No dia 6 de outubro, um grupo de operários reage contra as buscas feitas na portaria da Usiminas para evitar que os lanches fornecidos pela empresa fossem levados para casa. Um dos vigilantes dispara um tiro que acerta uma sacola de leite nas mãos de um operário. O gesto provoca a revolta da massa e a tensão entre trabalhadores e vigilantes aumenta. Os cavalarianos, conhecidos pela violência e a maneira rude no trato com a população são chamados a intervir e dezenas de operários são levados presos para o quartel do Regimento de Cavalaria, onde são espancados e pisoteados.

CHICAGO BLITZ
Insatisfeitos com o número de presos, os cavalarianos se dirigem aos alojamentos dos operários solteiros no Santa Mônica e Chicago Blitz (hoje bairros Ferroviários e Santa Mônica) para prenderem mais operários e assim colocarem fim à rebelião. Ao chegarem, enfrentam a resistência dos trabalhadores, que construíram barricadas e empunharam armas para se defender. Após pedirem reforço, os soldados da Cavalaria resolvem invadir o alojamento. O conflito aumenta suas proporções e toma contornos de guerra civil, com troca de tiros, incêndios e quebradeira. Vários trabalhadores são feridos e um tomba morto no interior do alojamento. Após a refrega, os cavalarianos, mais bem armados e preparados, subjugam centenas de trabalhadores. Deitados no chão enlameado, numa noite chuvosa, os operários são pisoteados, riscados com ponta de sabre, rajadas de metralhadora sibilavam no ar. Dezenas de trabalhadores foram detidos e humilhados.

EM MARCHA

“Às primeiras horas de hoje (dia 7) o engenheiro Gil Guatimosin foi ao quartel do destacamento e conseguiu a libertação dos operários, que continuavam detidos naquele local. O seu carro foi depredado por alguns trabalhadores que não compreenderam a sua presença na delegacia”, noticiou o jornal “O Estado de Minas”.
Após terem sido soltos, ainda de madrugada, os operários saem em marcha até os alojamentos, onde relatam o episódio aos companheiros. A massa de operários se inflama a cada relato das arbitrariedades. Discursos são feitos madrugada adentro. Quando o dia começou a amanhecer a multidão furiosa de trabalhadores dirigiu-se rumo ao escritório central (próximo da atual área da Usiminas Mecânica). Os trabalhadores já haviam tomado a decisão de cruzar os braços numa greve geral.

BILHETE
Eram cerca de 9 horas da manhã, quando centenas de operários se aglomeraram no portão principal da Usiminas. Enquanto representantes dos operários, da Usiminas e Polícia Militar discutem uma solução para o conflito, a massa de trabalhadores continua a se manifestar na entrada empresa. A tropa da polícia, comandada pelo tenente Jurandir Gomes de Carvalho se coloca a postos e ordena que os operários entrem para o trabalho. Ele avisa que tem ordens de abrir fogo e o fará se os revoltosos resistirem. O padre Avelino, no fogo cruzado, tenta em vão acalmar os ânimos dos policiais e dos revoltosos. As negociações prosseguem sem solução até que o tenente Jurandir recebe um bilhete do comandante da Cavalaria, capitão Robson Zamprogno, que se encontrava na reunião fechada no escritório da Usiminas. Ninguém até hoje sabe o que estava escrito no bilhete, mas logo depois de recebê-lo, o tenente Jurandir faz sinal para que os policiais abrissem fogo contra multidão de manifestantes.

FUZILARIA

Um tiro partindo de uma metralhadora posicionada sobre um caminhão, próximo à Usiminas Mecânica, atingiu o peito do fotógrafo amador José Isabel do Nascimento, que tombou morto após registrar o episódio. Rajadas de fuzis e metralhadoras atingiram operários, mulheres e crianças, provocando um grande número de vítimas que até hoje não se sabe ao certo.
As versões são várias. “Foram mais de 3 mil feridos a bala e morreram 33 até o dia seguinte, em consequência dos ferimentos; embora as emissora de rádio e os jornais dessem conta de 80 feridos e 7 mortos”, narra Daniel Miranda Soares, em “O Massacre de Ipatinga”. “Foram mais de 80 mortos”, disse uma testemunha que pediu para não ser identificada, ao jornal “Em Tempo”. O pároco de Timóteo, Abdala Jorge, disse que não sabe ao certo o número de mortos, mas, contou 11 cadáveres na manhã do dia 7 no Hospital Nossa Senhora do Carmo. Na lista oficial dos mortos, fornecida pela Usiminas, constam 7 mortos, mas entre eles, não está por exemplo, o fotógrafo José Isabel, com certeza, a oitava vítima do tiroteio.
O episódio, ainda que indireta e isoladamente, foi uma demonstração de força contra outras rebeliões que pudessem estourar no país como reação ao golpe militar de 1964, que já estava sendo secretamente organizado e viria a acontecer sete meses após o sangrento massacre de Ipatinga. E assim como vários outros assassinatos cometidos durante o regime militar, o Massacre de Ipatinga, uma das páginas mais negras e revoltantes da história do Vale do Aço, segue sem uma explicação oficial e, o que é pior, sem a punição de qualquer dos envolvidos.

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