Em artigo no jornal britânico “The Guardian”, ex-presidente e ex-chanceller, Celso Amorim, criticam a postura belicista de Bolsonaro e seu desprezo pelos prejuízos humanitários e econômicos
Em meio ao avanço do conflito entre os Estados Unidos e o Irã, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-chanceler Celso Amorim defendem que o Brasil volte a demonstrar que é um país soberano, defensor da paz e da cooperação entre os povos e por isso admirado e respeitado no mundo. Ambos assinam artigo na edição de sexta-feira (10) do jornal The Guardian.
Leia a íntegra do artigo:
O assassinato do general iraniano Qasem Soleimani por meio de bombas lançadas a partir de um drone, por ordem expressa do presidente dos Estados Unidos, lançou o Oriente Médio – e o mundo – na mais grave crise para a segurança global desde o fim da Guerra Fria, no final do século passado. Ao ordenar unilateralmente a execução de um militar da mais alta hierarquia do Irã em solo iraquiano, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump violou o Direito Internacional e deu, de forma perigosa e irresponsável, um passo temerário na escalada de um conflito com potencial impacto em todo o planeta.
Ainda não conhecemos exatamente qual será extensão da reação do Irã a esse ato de guerra não declarada. Mas já vemos prejuízos para a paz e a segurança na região com o previsível ressurgimento do Estado islâmico no Iraque e o retraimento de Teerã em relação aos compromissos sobre limites de enriquecimento de urânio.
Podemos, também, apontar com certeza quem ganhará e quem perderá com um novo conflito bélico, tenha ele as proporções que tiver.
Há quem sempre lucre com a guerra: os fabricantes de armas, os governos interessados em pilhar as riquezas de outros Estados (sobretudo o petróleo), as megaempresas contratadas a peso de ouro para reconstruir o que foi destruído pela insensatez e cobiça dos senhores da guerra.
E há os que sempre perdem: as populações civis, mulheres, crianças, idosos e, sobretudo, os mais pobres, condenados à morte, à fome, à perda de suas moradias e à emigração forçada para terras desconhecidas, onde enfrentarão a miséria, a xenofobia, a humilhação e o ódio.
Como presidente e chanceler do Brasil, na primeira década deste século, mantivemos diálogos com presidentes norte-americanos e altas autoridades iranianas, na tentativa de construir a paz, que acreditávamos ser o que mais importava aos povos do Irã e dos Estados Unidos.
Juntamente com a Turquia negociamos com o Irã a “Declaração de Teerã”, a partir de uma solicitação do próprio Presidente Barack Obama, feita em encontro à margem de uma Cúpula do G8 ampliado em 2009 na Itália.
Este acordo, celebrado em 2010, saudado por especialistas em desarmamento de
diversas partes do mundo, inclusive o ex- Diretor da Agência de Energia Atômica
e Prêmio Nobel da Paz, Mohammed El Baradei, tinha o potencial de encaminhar uma
solução pacífica para a complexa questão do programa nuclear iraniano.
Além de tornar o mundo um lugar mais seguro, estávamos contribuindo para que os dois países, inimigos ferrenhos desde a revolução islâmica de 1979, pudessem desenvolver um convívio pacífico e mutuamente respeitoso, conforme desejo expressado pelo próprio presidente norte-americano.