Duplas de especialistas, um de cada país, analisam temas-chave como planos econômicos, violência estatal e propaganda; lançamento em BH no dia 17
BELO HORIZONTE – As ditaduras do Brasil e da Argentina, que estiveram no poder dos anos de 1960 aos de 1980, marcadas por forte protagonismo dos militares, são objeto de análises, de diferentes perspectivas, no livro “As ditaduras argentina e brasileira em ação: violência repressiva e busca de consentimento” (Editora UFMG e Ediciones UNGS). O volume é organizado pelos professores Rodrigo Patto Sá Motta, da UFMG, e Daniel Lvovich, da Universidad Nacional de General Sarmiento (UNGS), na Argentina.
PARCERIA
Com lançamento agendado para o próximo sábado (17), em Belo Horizonte, a obra é fruto de parceria de trabalho entre docentes da área de história das duas instituições, iniciada há cerca de dez anos, que envolveu participação e organização de eventos, intercâmbio de docentes e estudantes e publicações comuns. Com o tempo, a rede alcançou também pesquisadores de outras instituições, o que está refletido no perfil dos coautores. O volume é o primeiro da série América Latina: histórias conectadas, coeditada pelas editoras da UFMG e da UNGS.
COMPARAÇÃO
O livro põe em contraste, comparação e conexão as ditaduras dos dois países. “Partimos da convicção de que elas foram congêneres, mas, ao mesmo tempo fenômenos singulares, e que o estudo combinado das duas revelaria pontos comuns e diferenças, contribuindo para o avanço no conhecimento do tema”, explica Rodrigo Patto. Outra motivação importante, segundo ele, foi o cenário político recente, “que nos mostra que estudar o passado autoritário ajuda a compreender o presente”.
Duplas de especialistas, um de cada país, analisam juntos temas-chave que servem ao entendimento do funcionamento e da sustentação dos Estados autoritários, como planos econômicos, violência estatal, propaganda e políticas trabalhistas. “Nos dois casos, o poder se apoiou numa combinação assimétrica entre repressão e ações para conquistar o apoio de parcelas da população”, comenta o professor do Departamento de História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich).
PODER FEDERAL E MUNICIPALIZAÇÃO
Os dez capítulos que compõem o volume destacam, por exemplo, que na Argentina foi implementado um projeto econômico neoliberal com efeitos desindustrializantes, enquanto no Brasil o regime apostou na intensificação da base industrial, embora com achatamento de salários e concentração de renda. Se no Brasil a ditadura ampliou o poder do governo federal, no país vizinho houve descentralização e “municipalização”, marcas do neoliberalismo. “Nos dois casos, houve incremento agudo da violência estatal, mas na Argentina os principais alvos foram militantes políticos, enquanto aqui a população pobre e marginalizada foi mais atingida”, pontua Rodrigo Patto.
O historiador da UFMG assina o primeiro capítulo do livro – Estado e governo nas ditaduras brasileira (1964) e argentina (1976) –, com Paula Canelo, professora da Universidade de Buenos Aires. Eles tratam das estruturas de poder construídas pelas ditaduras e de suas escolhas políticas. Da análise comparativa, Rodrigo Patto destaca a constatação de que a ditadura argentina foi mais radical na sua tentativa de refundar o país. “No Brasil, por outro lado, a opção foi por adaptação e acomodação com as tradições anteriores, mantendo o Congresso em funcionamento, por exemplo. Embora essa estratégia dos militares e seus aliados civis não mude o caráter ditatorial do regime, ela abriu caminho para uma transição mais suave que no caso argentino; lá, a ditadura acabou abruptamente. Pode-se afirmar que uma consequência disso é que no Brasil a democracia é mais frágil”, atesta o organizador do volume.
NACIONALISMO NA PROPAGANDA
Daniel Lvovich, coorganizador do livro, assina um capítulo com a professora Janaína Martins Cordeiro, da Universidade Federal Fluminense (UFF). Eles examinam os traços fundamentais das políticas de propaganda e as estratégias de ação psicológica das ditaduras instauradas no Brasil, em 1964, e na Argentina, em 1976.
A comparação entre os dois casos mostrou que a doutrina da ação psicológica – que se vale de recursos e técnicas para gerar emoções e comportamentos em pessoas ou grupos com o objetivo de obter um determinado resultado – foi incorporada pelas Forças Armadas de ambos os países logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, mas na Argentina foi aplicada de maneira mais sistemática e permanente. Nos dois casos, a propaganda oficial se articulou, de diversas maneiras, com a contribuição da imprensa e das empresas privadas de publicidade.
“Ambas as ditaduras apelaram aos motivos do nacionalismo mais estrito: no Brasil, predominou o chamado ao otimismo e prevaleceu a visão de um país em franco desenvolvimento; na Argentina, os primeiros anos foram marcados pelo discurso da guerra antissubversiva e, mais adiante, pelo de ‘ganhar a paz’, que adicionava os valores de harmonia social e desenvolvimento”, comenta Lvovich.
Para o professor da UNGS, o estudo comparativo das ditaduras ajuda a compreender como elas buscaram a adesão das populações, o que conseguiram parcialmente. É importante também porque nos mostra como se formaram as memórias sobre esses períodos, que seguem sendo determinantes para a compreensão das identidades políticas dos dias atuais”, afirma.
Da UFMG, além de Rodrigo Patto, assinam textos a professora Miriam Hermeto, do Departamento de História da Fafich, e os pesquisadores Carolina Dellamore e Gabriel Amato, doutores em História pela Universidade.
SERVIÇO
Livro: As ditaduras argentina e brasileira em ação: violência repressiva e busca de consentimento
Organizadores: Rodrigo Patto Sá Motta e Daniel Lvovich
Editora UFMG e Ediciones UNGS
329 páginas | R$ 85,50
Lançamento: sábado, 17 de junho, das 11h às 14h, na Livraria Jenipapo (Rua
Fernandes Tourinho, 241 – Savassi, BH), com a presença dos autores Rodrigo Patto, Miriam Hermeto, Samuel Oliveira, Carolina Dellamore e Gabriel Amato