Ilustração: Negros sob galpão, em pé, sentados e deitados em “Transporte de comboio de negros”, sobre o tráfico de escravos, por Rugendas (1835)
A Lei 10.639/2003 (que obriga o estudo da verdadeira História do povo negro escravizado em terras brasileiras, bem como sua cultura, e a da própria África, sua terra original, com toda a riqueza que nela contém e que forjou a própria História do Brasil, esquecida ou mal contada nos livros didáticos) é a Lei Aurea renovada. A lei 3353/1888, que proclamava extinta a escravidão no Brasil, há 134 anos, veio na esteira das leis anteriores que consistiam em publicar atos sem, contudo, confirmar a execução delas. Ou seja, faz-se a lei, mas se ela não for cumprida, tudo bem. O dia seguinte ao 13 de maio de 1888, o povo negro viu-se em liberdade, mas também sem direitos ou garantias. A liberdade no papel não era de fato. E depois fizeram Leis para culpar os corpos libertados por estarem livres demais.
A Lei 3353 – chamada de lei áurea (de ouro), sabe-se lá porquê -, não obrigou os antigos donos dos escravizados negros, os senhores, a arcarem com a vida pós-escravidão e muito menos, o Imperador cuidou de subsidiar essa massa agora desempregada. As leis no Brasil só “pegam” quando há um enorme apelo midiático e se for propício para essa mídia, pois sendo ela maior interessada porque tocada por empresários, então ela “pega”.
Há dezenove anos estamos aí com uma lei que vigora sem ânimo de quem deveria levá-la avante. A Lei 10.639 é a nova Lei 3.353 porque cumpre a mesma função: ser um papel para se engavetar. Sobre estas leis não se tem qualquer apelo popular, e o povo sequer sabe da existência delas. É possível que em todos os estados brasileiros, a notícia da 3.353 tenha chegado ao povo muito tempo depois e muito se lucrou até a ciência completa do ato. Com a 10.639 acontece o mesmo: em quase 20 anos de existência ainda há educadores que não a conhecem e, se conhecem, não a aplicam em suas aulas porque não sabem como fazer.
“A favela é a nova senzala”, diz a música. A senzala era o local para o recolhimento onde os escravizados chegavam apenas para dormir, e mal. Na favela ou nos bairros distantes dos Centros, o corpo busca descanso. Os direitos são mínimos ou inexistentes. A organização popular é a saída, mas para isso é preciso conhecer, enxergar a causa de tudo. Só através de uma educação baseada na realidade é que conseguiremos alargar os horizontes buscando as soluções sem troca de favores e sim como garantia de direitos.
Leis devem ser cumpridas. Enquanto não virmos a aplicação concreta da 10.639, ficaremos à mercê dos espertalhões que apostam na ignorância de um povo que desconhece a própria história. Como em um looping eterno, voltaremos todos os dias no 14 de maio de 1888.
Axé!
*Samba-enredo da Escola de samba Mangueira (RJ) de 1988