(*) Daiane Tavares
De acordo com o caderno técnico “Temporada das Águas: o Aumento das Chuvas Extremas”, desenvolvido pela Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica, em parceria com o Maré de Ciência (da Universidade Federal de São Paulo), o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, a Unesco e a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, mais de 80% dos municípios brasileiros foram afetados por chuvas acima da média no período de 2020-2023.
A média anual de pessoas afetadas cresceu quase 80% em relação à década anterior e chega a 220% quando comparada ao início dos anos 2000. Esses dados evidenciam o impacto das mudanças climáticas na rotina das pessoas, reforçando a urgência do debate sobre justiça climática, tema que deve ganhar destaque na COP 30, iniciada em 10 de novembro em Belém (PA). Ao todo, somente nesse período, o país registrou 7.539 desastres ocasionados por chuvas intensas.
Quando falamos em justiça climática, estamos lidando com uma extensão da justiça ambiental. As mudanças do clima afetam de forma desigual certos grupos sociais. Por isso, seus impactos também são diferentes e devem ser analisados com a mesma lógica da justiça ambiental, porém aplicada ao contexto climático. A vulnerabilidade de populações marginalizadas, marcada pela pobreza e pelo difícil acesso a condições de moradia adequadas, é maior do que a média da população. Esse quadro é ainda mais grave considerando que 66% dos municípios brasileiros, quase 3,7 mil têm baixa capacidade de adaptação a desastres de perfil geohidrológico.
Infelizmente, esses eventos ainda são enfrentados sem políticas públicas eficazes e com muita desigualdade no acesso às soluções. A crise climática acaba funcionando como uma engrenagem que multiplica injustiças e aprofunda a exclusão social. É por isso que esse tema ganha mais destaque e deve ter impacto amplo na COP 30.
Apesar destes números já chamarem a atenção, as projeções do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) mostram que o cenário pode ser ainda pior no futuro. A perspectiva é de um crescimento de até 30% nas chuvas nas regiões Sul e Sudeste e redução de até 40% no Norte e Nordeste até o fim deste século. Destaca-se ainda a necessidade de entender como este impacto vai se dar considerando as diferenças de realidade e até mesmo de gênero existentes no Brasil.
Intersecções entre concentração de renda, desigualdade e raça mostram que as mulheres negras são maioria entre a população pobre do país. Ou seja, a justiça climática tem um viés de entender esta dinâmica e buscar meios de mitigar este impacto de forma mais estratégica e precisa. Apesar de toda a sociedade precisar desta abordagem, os impactos deste processo tendem a atingir os perfis populacionais de forma muito distinta.
Alguns dos princípios desta abordagem envolvem o alívio dos desiguais, tentando mitigar efeitos desproporcionais causados pelas mudanças climáticas; o compromisso com populações ou grupos considerados marginalizados dentro da sociedade; além do reconhecimento da vulnerabilidade, com políticas públicas que priorizem estes perfis.
Assim como existem desigualdades dentro do Brasil, essas diferenças também ocorrem entre os países. Por isso, uma das dinâmicas da justiça climática envolve uma compensação por parte das economias que mais poluem, ao passo que os mais prejudicados são os países com menor potencial econômico e que menos contribuem para gerar os efeitos das transformações climáticas.
A justiça climática defende que aqueles que mais exploraram os recursos naturais do planeta assumam a responsabilidade de investir mais e apoiar, com projetos concretos, os que mais precisam — especialmente porque já contam com mais infraestrutura e estão em um estágio mais avançado de desenvolvimento. Nesse sentido, a realização da COP 30 em Belém pode ser um marco para construir pontes e encontrar um meio do caminho entre responsabilidade histórica e justiça para os mais vulneráveis.
(*) Daiane Tavares é advogada especialista em direito ambiental, associada do escritório Razuk Barreto Valiati (www.razuk.adv.br).



