Cidades

Jornalista do Diário Popular recebe a Medalha Rodrigo Neto

Honraria é outorgada pela Câmara Municipal de Coronel Fabriciano e homenageia jornalista assassinado por denunciar violação de direitos humanos e ação de grupos de extermínio

(DA REDAÇÃO) – O jornalista e editor do Diário Popular, Fernando Benedito Júnior, foi agraciado com a Medalha Rodrigo Neto, concedida pela Câmara Municipal de Coronel Fabriciano. A indicação para entrega da Medalha foi feita pelo vereador Marcos da Luz (PT). A honraria foi instituída pelo Legislativo fabricianense para homenagear o jornalista e radialista assassinado pelo seu trabalho de jornalismo investigativo que denunciava a violação de direitos humanos e a ação de grupos de extermínio atuantes no Vale do Aço.

Durante seu discurso, Fernando Benedito, que falou em nome de todos os homenageados, lembrou a convivência com Rodrigo Neto nas redações dos jornais Diário do Aço e Diário Popular, ressaltando o caráter combativo e aguerrido de Rodrigo no exercício da profissão. “Tratava o jornalismo investigativo como uma missão e a exercia com a coragem dos heróis.

O vereador Marcos da Luz (PT), autor da indicação, e o jornalista Fernando Benedito

O que ele via e percebia com clareza o deixava tão indignado que começou a estudar Direito com o objetivo de tornar-se Delegado de Polícia para tentar combater por dentro do sistema penal e judicial as injustiças que denunciava no jornalismo investigativo, que praticava com denodo, com tenacidade e disposição. Por ironia seu assassinato foi tramado por pessoas que atuavam dentro de uma Delegacia de Polícia”, destacou Benedito. (leia abaixo a íntegra do discurso)

Além de Fernando Benedito, também foram homenageadas as seguintes personalidades:

Edy Araújo Júnior – Juninho Araújo

Marcos Roberto da Silva

Alexsander Martins Pereira

Paulo César Reis

Daniel Fernandes Nunes

Laércio Antônio Araújo

Nilmar Ananias de Sousa

Mateus Cabral Silva

Dr. Wesley Augusto Dias Ribeiro

Daniel Fernandes Lopes

Felipe Martins Costa

Kamila Rúbia Fernandes

Fernando Benedito Júnior

Leôncio Corrêa

Priscilla Caroline de Paula Souza

Mariano Pereira

Fernando da Rocha Silva

Dr.Fábio Pimentel

Mayra Cristina Alvez de almeikra

Dr. Antônio Rodrigues Vaz – Toni Vaz

Leia a íntegra do discurso de Fernando Benedito na entrega da Medalha Rodrigo Neto:

Recebi nesta noite uma tarefa das mais espinhosas.

Mais difícil do que falar sobre um tema que nos é tão caro e profundamente triste, é receber a árdua incumbência de falar em nome de todos os homenageados, tentar sintetizar a diversidade de pensamento aqui representada. Mas, como penso que andar no fio da navalha é mais difícil do que expressar o que realmente penso, vamos correr o risco.

Conheci o Rodrigo Neto nas redações dos jornais Diário do Aço e do Diário Popular. No Diário do Aço, primeiramente, quando o jornal ainda era dirigido pelo meu sogro, Wilton Rodrigues, que, caratinguense como o próprio Rodrigo, o acolheu tão logo chegou ao Vale do Aço.

Rodrigo foi um companheiro ousado, destemido, profundo, verdadeiro.

Suas reportagens investigativas, seja contra o crime, a corrupção, a violência policial, o abuso de autoridade, as injustiças que ele presenciava, não buscavam o sensacionalismo ou índices de audiência. Ele o fazia com a convicção e a coragem de que era preciso combater as arbitrariedades que presenciava diariamente nas masmorras, nas coberturas de assassinatos de crianças e adolescentes com as mãos manietadas e tiros na nuca. E não media esforços para buscar a verdade.

Hoje é normal que se noticie um fato e no dia seguinte ele seja esquecido, substituído por outro, na avalanche de novas notícias e no excesso de informações que nos tragam logo em seguida, no vórtice deste furacão.  Rodrigo não esquecia. Ele insistia, sempre.

Trabalhava arduamente nas redações dos jornais impressos e da rádio Vanguarda. O rádio, na verdade, era sua grande paixão, era ali que se encontrava e se sentia bem, sentia com mais intensidade o retorno de seu público, que acabou por se transformar numa legião de fãs.

Tratava o jornalismo investigativo como uma missão e a exercia com a coragem dos heróis.

Não vou listar aqui os inúmeros casos que buscou desvendar – estes casos estão reunidos no Dossiê Rodrigo Neto –, mas foram prisões arbitrárias, crimes violentos, casos de tortura, chacinas, execuções sumárias, em sua maioria envolvendo violência policial, grupos de extermínio, milicianos e falsos justiceiros, que cometiam toda sorte de crueldades, injustiças e corrupção em todos os sentidos.

O que ele via e percebia com clareza o deixava tão indignado que começou a estudar Direito com o objetivo de tornar-se Delegado de Polícia para tentar combater por dentro do sistema penal e judicial as injustiças que denunciava no jornalismo investigativo, que praticava com denodo, com tenacidade e disposição. Por ironia seu assassinato foi tramado por pessoas que atuavam dentro de uma Delegacia de Polícia.

Foi na busca da verdade que acabou encontrando seus algozes. Algozes e covardes, porque não lhe deram a mínima chance de defesa, porque mataram de forma brutal um inocente, um marido, pai do menino Artur, que ele tanto amava. Porque tentaram calar uma voz que não se calou e nem se cala. Sua voz impostada de locutor reverbera através de outras vozes, outras narrativas.

É muito relevante receber a Medalha Rodrigo Neto neste momento.

Relevante, porque não poderia deixar de sublinhar a realidade que nos cerca, ou nos sitia, nestes tempos estranhos e obscuros, marcado por posições que tentam aniquilar o debate sobre os direitos humanos; banalizar e “naturalizar” a violência, como se a barbárie fosse o único caminho que nos resta.

As forças neo-fascistas no poder tentam legitimar o uso de armas letais pelos cidadãos e a violência praticada pelas forças policiais – como no caso da excludente de ilicitude, uma verdadeira licença para matar –, como se isso já não fosse uma prática corriqueira nas operações repressivas em algumas das regiões mais violentas do País, entre as quais o Vale do Aço se incluía, antes de Rodrigo Neto.

É interessante observar que apesar do grande número de mortes cometidas pelas forças de segurança (só para ilustrar, o país teve 6.160 mortes cometidas por policiais na ativa em 2018). Contudo, um levantamento realizado pelo Ministério Público do RJ – um dos estados mais violentos do País e que puxa estes índices –, revela que a letalidade policial não diminuiu em nada a variação de crimes contra o patrimônio e a vida. Por outro lado, o Atlas da Violência 2019 informa que 72,4% dos homicídios em 2017 foram cometidos com armas de fogo. Os números também revelam que o peso da desigualdade social faz com os disparos de armas de fogo tenham um alvo fixo: 75,5% das vítimas de homicídio no Brasil em 2017, eram negras.

Pois bem. Não há como negar que a violência e seus desdobramentos é um reflexo da realidade política, de uma narrativa equivocada que emana do poder.

As instituições democráticas sofrem ataques cotidianos que colocam em xeque sua credibilidade;

o equilíbrio entre os poderes e o sistema de freios e contrapesos, imprescindíveis ao regime democrático, está sob cerco.

Volta e meia falam em fechar o Supremo Tribunal Federal com um cabo e um soldado; reeditar o AI-5; defendem o armamento num país que não consegue resolver a violência no trânsito; fazem apologia da tortura e de torturadores; transformam as universidades em covis de bandidos ligados ao narcotráfico, enquanto se aliam a milicianos; solapam e vilipendiam o papel de instituições democráticas como o Senado da República e a Câmara dos Deputados, a ponto de perderem as próprias bases aliadas.

Em vários sentidos, o assassinato de Rodrigo Neto, nos remete à realidade atual. Por exemplo, ao nos depararmos com a absoluta falta de compromisso com os direitos humanos, dos mais elementares até o direito à vida, como no caso de Marielle Franco. Ou quando assistimos impassíveis às tentativas de criminalizar os movimentos sociais e transformar as manifestações de rua em atos terroristas. Enquanto isso, o terrorismo de estado mostra sua face mais cruel, seja ampliando as desigualdades sociais, o fosso entre ricos e pobres, retirando direitos trabalhistas, precarizando o trabalho, o atendimento no sistema de saúde, ou, simplesmente, exterminando a população pobre, negra e indígena.

Senhoras e senhores,

Preferiria estar aqui falando de amor, de afeto, de solidariedade, de encontros, das pontes humanitárias que precisamos construir. Mas, infelizmente, a realidade brasileira atual não tem pontos de fuga e nos remete ao debate necessário. Construir uma democracia onde os direitos humanos, as opiniões e as diferenças sejam respeitadas é uma pauta que, penso, deveria estar na ordem do dia de todos nós.

A ferida é profunda e as cicatrizes são indeléveis! Mas não é nada que a capacidade humana para construir um mundo de fraternidade, igualdade e solidariedade, não seja capaz de superar.

Finalmente, gostaria de agradecer imensamente à Câmara de Coronel Fabriciano por esta homenagem que, na verdade, é uma homenagem a quem merece: ao próprio Rodrigo Neto. Compartilho esta Medalha com todos os companheiros da imprensa; dos comitês de direitos humanos, dos órgãos de defesa do jornalismo investigativo, e, principalmente, de todos os integrantes do Comitê Rodrigo Neto, que, corajosamente, tiveram papel destacado, aguerrido e incansável na luta por justiça, para desvendar e punir os responsáveis pelo seu assassinato. E aqui, pessoalmente, abro um parênteses para dizer que existem lacunas que ainda precisam ser respondidas, como o mandante e a motivação deste crime, além de considerar branda a penas dos culpados.

Senhoras e senhores, peço desculpas por eventuais impertinências, descuidos, esquecimentos e pelas opiniões pessoais, mas julguei que deveriam ser ditas e, como avisei, no início, assumo os riscos.

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