Projeto de Lei criminaliza vítima, que pode ter pena maior que o estuprador, e institucionaliza a barbárie
BRASÍLIA – Após intensa reação nas redes sociais e nas ruas, o governo decidiu se posicionar contra mudanças na Lei do Aborto propostas pelo Projeto de Lei sob relatoria do deputado Sóstenes Cavalcanti (PL-RJ). Nesta sexta-feira, o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) rompeu o silêncio do governo e afirmou que o governo não apoiará qualquer mudança na legislação do aborto no Brasil.
MANOBRA
A Câmara aprovou, em votação relâmpago, a urgência de um projeto de lei que equipara o aborto a homicídio após 22 semanas de gestação mesmo em casos de gravidez derivada de estupro. Com a aprovação de urgência, a proposta pode ser analisada no plenário a qualquer momento, sem a necessidade de passar pelas comissões temáticas.
DERRUBAR A PAUTA
À imprensa, Padilha disse que o governo trabalhará para derrubar a pauta. “Não contem com o governo para mudar a legislação de aborto no país, ainda mais um projeto que estabelece que uma mulher estuprada vai ter uma pena duas vezes maior do que o estuprador”, disse.
“Não contem com o governo para essa barbaridade. Vamos trabalhar para que um projeto como esse não seja votado”, disse Padilha.
Segundo ele, o presidente Lula (PT) “nunca faria nenhum gesto para mudar”. Isso indica que o governo deve vetar o projeto, caso aprovado pelo Congresso. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), no entanto, já indicou que também não deve levar a pauta para frente se ela chegar na Casa.
Em viagem à Europa, Lula não comentou o movimento da Câmara. “Deixa eu voltar para o Brasil, tomar pé da situação”, disse aos jornalistas ontem.
O projeto ainda não tem data para ser votado no plenário da Câmara. Lira disse à colunista Raquel Landim que vai indicar uma “mulher moderada” para relatar o PL do aborto e que será discutido com a bancada feminina. Caso seja aprovado, seguirá para análise do Senado.
AUTOR
A proposta é do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que é próximo ao pastor Silas Malafaia. Lira tinha prometido colocar o tema em discussão no plenário em troca de apoio da bancada evangélica à sua reeleição na presidência da Casa em 2023.
AS MUDANÇAS
A proposta em tramitação na Câmara mudará quatro artigos do Código Penal. Atos que hoje não são crime ou que têm pena de até quatro anos passam a receber tratamento de homicídio simples – punição de seis a 20 anos de cadeia.
Até mesmo os médicos poderão ser presos. Hoje, eles são considerados isentos de responder por qualquer tipo de crime. Pela proposta, poderão ser punidos em caso de interromper a gravidez de feto que não seja anencéfalo.
Situações em que aborto é permitido por lei:
● Para salvar a vida da mulher;
● Gestação resultante de estupro;
● Feto anencefálico – defeito na formação do tubo neural que resulta em bebê natimorto ou capaz de sobreviver apenas algumas horas
MUDANÇAS POR ARTIGO
Abaixo, veja como é cada artigo atualmente e como fica se o projeto for aprovado no Congresso:
Artigo 124
● Como é hoje: Proíbe a mulher de fazer aborto ou consentir que alguém faça aborto nela, exceto em situações permitidas por lei.
● Como ficaria: Quando houver viabilidade do feto em gestações acima de 22 semanas, as penas serão iguais ao crime de homicídio. A pena é cancelada quando as consequências do aborto forem tão graves que a punição torna-se desnecessária.
Artigo 125
● Como é: Caracteriza como crime provocar aborto não-legal sem consentimento da gestante. Pena de três a 10 anos
● Como ficaria: Em casos de feto viável, a interrupção da gravidez feita após 22 semanas de gestação será crime com pena igual ao homicídio – seis a 20 anos -, mesmo em gravidez derivada de estupro.
Artigo 126
● Como é: Prevê pena de um a quatro anos de prisão para quem provocar aborto com consentimento da gestante depois de 22 semanas.
● Como fica: Estipula punição igual ao crime de homicídio
Artigo 128
● Como é: Não pune o médico que interromper uma gravidez consequência de estupro.
● Como fica: Se a gravidez resultante de estupro tiver viabilidade e passar das 22 semanas, o médico não estará isento de punição