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“Fui exposto ao povo como um político corrupto e desonesto”

João Magno, quando era deputado federal, atuando na CPMI de Emigração Ilegal, da qual era relator     (Crédito: José Cruz/ABr)

Recém absolvido na ação penal 470, o conhecido “mensalão”, pelo Supremo Tribunal Federal, o ex-prefeito de Ipatinga e ex-deputado federal João Magno de Moura (PT) afirma que não pretende voltar à vida pública. Julgado por lavagem de dinheiro, João Magno foi absolvido após empate no seu julgamento – decisão que beneficiou o réu. Em entrevista, o político que foi vice-prefeito na chapa de Chico Ferramenta (1989-1992) e prefeito da cidade entre 1993-1996, conta que o mais difícil, nos dois julgamentos públicos por que passou – foi absolvido pelos colegas parlamentares da acusação de quebra de decoro parlamentar –, foi o sustento de sua família. “Após o ano de 2006, com o fim do meu mandato de deputado, de um dia para o outro me tornei um desempregado, e com uma pequena reserva financeira. Fui vetado veladamente de trabalhar em qualquer órgão governamental, pelo carimbo de mensaleiro”. Em 2008, montou uma empresa de consultoria. O ex-deputado criticou a espetacularização do julgamento do STF, a torcida da grande mídia para condenar o PT e, apesar de evitar juízo de valor sobre a decisão dos ministros, afirma que juízes são humanos e, portanto, falíveis. Confira a entrevista.

DIÁRIO POPULAR – Como o sr. avalia o resultado de seu julgamento no mensalão?
JOÃO MAGNO DE MOURA – A Ação Penal 470, denominada mensalão, julgada pelo STF, para mim e para a minha família foi um processo judicial longo e doloroso. Ela representou o segundo julgamento público de minha pessoa. Fui julgado pelo plenário da Câmara dos Deputados em 22 de março de 2006, quando fui absolvido por maioria dos congressistas. Em 23 de outubro de 2012, completando 82 dias de massacrante exposição na mídia e grande aflição pessoal, frente ao empate de 5 a 5, fui absolvido com 9 votos pelo preceito constitucional favorável ao acusado, o “in dubio pro réu”. Foram dois julgamentos políticos, sustentados pela lei maior do país. Foram dois julgamentos duríssimos. Fui absolvido por ser inocente das imputações, por ter falado a verdade e uma inquebrantável fé em Deus. Aprendi lições que talvez tão somente a escola da vida pode ensinar. O termo mensalão em si trouxe uma pré-condenação a todos os envolvidos. Fui posto na condição de réu, consciente de minha inocência. Felizmente pude contar com amigos irmanados com o povo, que se manifestaram a meu favor nos momentos mais difíceis, como foi o caso do Bispo D. Lara, e uma multidão de anônimos com suas orações. Destaco também a competência e bondade de meus dois advogados, Dr. Wellington Valente e Dr. Tadeu Reis.

DP – Como sua vida foi afetada desde a denúncia até o julgamento do caso?
JM – Minha vida foi afetada por inteiro. Sobrevivi a um intenso temporal. Fui exposto ao povo por setores majoritários da mídia nacional como um político corrupto, desonesto. Enfrentei preconceitos e discriminações, e às vezes até ofensas diretas. A batalha mais difícil, porém, foi garantir o sustento da família, visto que, após o ano de 2006, com o fim do meu mandato de deputado, de um dia para o outro me tornei um desempregado, sem previsão imediata de rendimento, e com uma pequena reserva financeira. Fui vetado veladamente de trabalhar em qualquer órgão governamental, pelo carimbo de mensaleiro. Mas Deus é grande. Em 2008, com o apoio de amigos, criei minha empresa de consultoria e com ela pude vencer o desafio da sobrevivência.

DP -Outros petistas acusados de integrarem o mensalão não tiveram a mesma sorte, como José Dirceu e José Genoino, e foram condenados. O sr. acha que fez-se justiça ou foi um erro do STF?
JM – Os erros que os dirigentes do PT cometeram estão sendo pagos do início até o desfecho do julgamento. Não devo concordar com a carga que o setor majoritário da grande imprensa lançou sobre as costas do PT e da nossa história. Os indicadores de que o PT está conduzindo o Brasil para um bom rumo vêm dos resultados das urnas com a reeleição de Lula, a vitória da Dilma e robustas vitórias nas derradeiras eleições. Não sinto que seria ético de minha parte emitir juízo em relação às decisões da corte suprema. É certo que ela é composta por homens e mulheres passíveis de influências, erros e acertos. Um julgamento com segmentos da grande mídia pedindo ostensivamente a cabeça de personalidades com inapagável contribuição para a redemocratização do país e ainda mais, personagens atores com função de destaque na construção de um país novo através deste projeto implantado pelo PT e aliados. Falo aqui de Dirceu e Genoino, que deram o melhor de si para o projeto de um Brasil com um eficaz desenvolvimento social e econômico, com soluções para o combate à fome, com a superação de uma dívida externa que rebaixava o Brasil diante do mundo.

DP – O sr. também acha que existe muita espetacularização, pressão social e midiática em torno das decisões tomadas pelo STF, comprometendo a qualidade do julgamento?
JM – Juiz é ser humano, e ser humano é ser humano. A eloquência manifestada na defesa de um preceito técnico e jurídico pode estar impecavelmente calçada de base científica, porém ela se sujeita a servir também ao engano, à injustiça. No meu caso, por exemplo, primeiramente deu empate. 5 votos a favor, e 5 contra a minha absolvição. Houve consistentes argumentos, sustentados na doutrina do direito. Com base em que os 5 juízes que defendiam minha condenação endureceram o jogo? Nos dados enganosos do Ministério Público, que por razões desconhecidas, não tendo provas para me indiciar em qualquer tipo de crime, teria forjado o meu enquadramento no item lavagem de dinheiro, movidos por razões pessoais associadas à espetacularização de setores predominantes da grande mídia, que pregavam a condenação a todo custo. Então, a espetacularização foi excessiva e perniciosa, com sincero respeito aos juízes e juízas do STF, vivi ante a um abismo de ser condenado sem provas, sujeito a danos irrecuperáveis à minha integridade e de minha família, mas com a consciência serena de não ter praticado nada do que me imputavam.

DP – O mensalão, de fato, existiu?
JM – Nos autos, o próprio Roberto Jefferson (ex-deputado federal e ex-presidente do PTB) falou e desfalou a respeito deste assunto. Fui rotulado de mensaleiro durante 7 anos. Sou fundador do PT, eu sempre votei a favor do PT, em toda a minha história enquanto deputado. Quando denunciado, autorizei a quebra de sigilos bancário, telefônico e fiscal de minhas contas. Os denunciantes se recusaram a fazer qualquer exame. Para mim é um termo criado pelo Roberto Jefferson para servir à mídia.
Na minha visão, o que houve foi o uso de caixa 2, uma anomalia, uma irregularidade, diante das leis eleitorais do Brasil. Mas que até agora, lamentavelmente, ainda não houve uma ação deliberada e firme no Congresso Nacional para mudar a legislação e criar o financiamento público de campanha, criminalizar os abusos e melhorar as leis para pôr fim ao caixa 2.

DP – O sr. já foi prefeito de Ipatinga e deputado federal. Pretende voltar à vida pública?
JM – Pretendo continuar sendo simplesmente um militante do PT, agora mais tranquilo.

DP – Como o sr. vê a retomada da hegemonia do PT no Vale do Aço? Este resultado comprova que o mensalão não interferiu nas eleições?
JM – Bem positivo o retorno do PT em prefeituras como Ipatinga e Timóteo e a consolidação com a continuidade em Santana do Paraíso e Coronel Fabriciano, além de outras cidades da base da AMDI/AMVA. Será oportuno estas prefeituras aproveitarem ao máximo as potencialidades do Governo da Dilma para aportar recursos financeiros através de diversos projetos. Outro passo importante a ser dado é fortalecer uma ação articulada entre as prefeituras da região metropolitana do Vale do Aço produzindo soluções compartilhadas para os problemas regionais.

DP – Historicamente, o sr. acha que esse julgamento pode reduzir a corrupção no País ou pelo menos levar os políticos a pensarem melhor seus atos antes de cometerem algum ilícito, a exemplo do que já ocorre com a Lei Eleitoral?
JM – Historicamente este acontecimento resultante da ação penal 470 trouxe muitas lições para todos no âmbito da política brasileira. É uma sacudida no sistema, que apesar dos excessos e do sofrimento de alguns, será aproveitada para o aprimoramento das instituições do Brasil. Indubitavelmente ele será narrado em duas versões básicas. Só com o tempo é que poderemos identificar os ganhos reais que a sociedade brasileira terá com este julgamento, que está sendo o mais duro e longo da história do STF. A sociedade certamente terá a partir daqui leis mais claras, incluindo principalmente um financiamento público de campanha que permita uma disputa eleitoral mais justa. (A entrevista foi concedida por email, nesta quinta-feira, dia 25).

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