sábado, novembro 23, 2024
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Entrevista: “A candidatura de Moro só comprova que ele agiu para tirar Lula da disputa”, afirma Patrus

“A realidade só não é mais trágica porque há ação de governadores e prefeitos, parlamentares, instituições e pessoas de bem que estão resistindo e comprometidos com a vida e com a mudança, que logo virá”, diz deputado

Em visita ao Vale do Aço nos próximos dias 2 e 3, Patrus Ananias, deputado federal por três mandatos e ex-ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no governo Lula, e do Desenvolvimento Agrário, no governo Dilma Rousseff, falou ao “Diário Popular” sobre o atual cenário político nacional com a entrada no ex-juiz Sérgio Moro na disputa presidencial, as repercussões da viagem do ex-presidente Lula pela Europa, a mudança do Bolsa Família (programa que implatou n o governo de Lula) pelo Auxílio Brasil, entre outros temas.

Graduado em Direito pela UFMG, especializado em Poder Legislativo e mestre em Direito Processual pela PUC-Minas; foi professor da PUC-Minas e da Escola do Legislativo (ALMG).

Patrus Ananias exerce o terceiro mandato como deputado federal, é secretário-geral da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional, foi ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, no governo Lula, e do Desenvolvimento Agrário, no governo Dilma Rousseff, prefeito e vereador de Belo Horizonte.

A experiência inovadora e exitosa em Belo Horizonte, na implantação e integração de políticas públicas sociais, o levou ao MDS, onde consolidou o Programa Bolsa Família e uma rede de políticas públicas sociais para combater a fome, a desnutrição, a miséria e a pobreza no país.

No MDA, Patrus Ananias promoveu programas e ações voltadas para o desenvolvimento da agricultura familiar, na perspectiva da agroecologia, do cooperativismo e da efetivação do princípio constitucional referente à função social da propriedade.

DIÁRIO POPULAR –  Como o sr. Avalia o atual cenário político após o giro de Lula pela Europa e no âmbito interno?

PATRUS ANANIAS – A viagem comprovou dois fatos: o primeiro é que o mundo tem grande expectativa de que o Brasil supere o isolamento em que foi colocado pelo atual governo, porque nosso país é muito importante para o mundo no comércio, na política internacional, na participação em organismos multilaterais e na preservação do meio ambiente. O segundo fato é o reconhecimento amplo do ex-presidente Lula como liderança capaz de recolocar o Brasil no mapa, por sua trajetória política e pessoal, pelo legado de seus governos no combate à desigualdade e à pobreza, por sua capacidade de diálogo democrático.

A viagem representou também o reconhecimento generalizado de que Lula foi vítima de uma grande perseguição e que é inocente das acusações falsas que fizeram a ele, algo que alguns setores no Brasil teimam em não aceitar, apesar dos claros pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal e de várias instâncias judiciais. Em resumo: a repercussão dessa viagem fortaleceu nossa esperança na reconstrução do Brasil.

DIÁRIO POPULAR – O retorno do país a níveis abaixo da linha da pobreza e a insegurança alimentar é um condição definitiva sob o atual governo?

PATRUS ANANIAS Verificamos hoje no país uma situação lamentável que, após quase de duas décadas de avanço civilizatório, nos causa dor e indignação: mais de 20 milhões de pessoas passando fome e cerca de 119 milhões em situação de insegurança alimentar, isto é, comem hoje, mas não sabem o que vão comer amanhã ou daqui a uma semana.

Eu sempre digo que esta situação não é dada por Deus, não é obra do destino. Isso é fruto de um projeto de tomada de poder e de entrega das nossas riquezas e patrimônio ao grande capital, que começou com o Golpe contra a presidenta Dilma, em 2016.

É dessa época a Emenda Constitucional 95, que congelou os investimentos em políticas públicas por 20 anos. O resultado disso tudo é o desmonte do Estado e das políticas estruturantes que garantiram saúde, educação, assistência social e todas as ações de combate à fome e à miséria no país.

O atual governo segue a cartilha neoliberal e vira as costas para os mais pobres e vulneráveis. Quando cria alguma ação, ela é completamente solta, não é articulada e não resolve o problema.

Então, se depender da ação deste desgoverno, o sofrimento do povo vai aumentar, a pobreza vai aumentar, a fome e a miséria vão piorar, para a nossa tristeza. Aliados à pandemia, temos o desemprego, o aumento da gasolina, do gás de cozinha, da energia, preços exorbitantes dos alimentos, enfim, um cenário que não nos dá outra leitura a não ser essa.

A realidade só não é mais trágica porque há ação de governadores e prefeitos, parlamentares, instituições e pessoas de bem que estão resistindo e comprometidos com a vida e com a mudança, que logo virá.

DIÁRIO POPULAR –  Qual é a diferença da mudança do Bolsa Família para o Auxílio Brasil?

PATRUS ANANIAS – Em primeiro lugar, é importante destacar que o Bolsa Família completou 18 anos como um programa exitoso e transparente de combate à fome. Tornou-se referência mundial de política pública de combate à pobreza e retirou o Brasil do Mapa da Fome.  Como ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, implementamos o Bolsa Família no governo Lula.

Considero um retrocesso lamentável, inaceitável, a destruição do Bolsa Família e sua substituição pelo Auxílio Brasil, um programa eleitoreiro, que sequer sabe de onde sairão os recursos, em um contexto que nós temos desmontadas todas as políticas públicas. O Bolsa Família sempre teve recursos garantidos no Orçamento da União, como política pública permanente.

O programa deveria ter sido reajustado e ampliado, o que não foi feito pelos governos Temer e Bolsonaro, e não ser substituído por este programa eleitoreiro. Até 17 de novembro, último dia de pagamento do Bolsa Família, o programa atendeu 14 milhões e 700 mil famílias, e tinha uma fila de espera de mais de dois milhões de famílias aptas para entrarem no Cadastro Único, e que não foram incorporadas pelo desgoverno Bolsonaro.

O Auxílio Brasil não traz normas permanentes, apenas normas transitórias. Política pública exige permanência, recursos constantes, assim como fizemos com o Bolsa Família. Por isso ele teve êxito, e por conta da integração com as demais políticas de segurança alimentar e nutricional, nós tiramos o Brasil do Mapa da Fome.

Além de acabar com o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), com o Auxílio Brasil, o governo ainda obriga o agricultor familiar que receberá o benefício a doar parte da produção para os tão pobres quanto eles.

Agora, além dessa medida inócua do Auxílio Brasil, Bolsonaro retira recursos de apoio à agricultura familiar e veta projetos de interesse do setor, como a Lei Assis Carvalho II. Como atacar o problema da fome desmontando a agricultura familiar e as políticas públicas de segurança alimentar e nutricional?

Infelizmente, a fome está voltando assustadoramente, e a miséria, o desemprego, famílias inteiras em situação de rua e é exatamente porque esse desgoverno não tem nenhuma proposta social e só se refere aos pobres e às políticas públicas em perspectivas demagógicas e eleitoreiras, como o Auxílio Brasil.

DIÁRIO POPULAR –  Embora seja um grande produtor de alimentos, o Brasil Também é um grande produtor da fome. A que se atribui este descompasso?

PATRUS ANANIAS – Como já disse, o desgoverno Bolsonaro destrói e esvazia as políticas públicas estruturantes, dentre elas as políticas de apoio à agricultura familiar.  Um dos programas mais importantes que integrava as políticas de segurança alimentar era o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), já citado anteriormente, que atuava nas duas pontas da cadeia produtiva, ao adquirir alimentos de agricultores familiares e destiná-los às instituições e equipamentos de Assistência Social, restaurantes populares, cozinhas comunitárias e bancos de alimentos, dentre outras.

Em contrapartida, vemos um país cada vez mais a serviço do agronegócio baseado em um modelo predatório que destrói o meio ambiente, as nascentes e as águas, e que em última instância visa o lucro.

Outro ponto importante que o país ainda não encarou se prefere à discussão sobre o papel social da propriedade privada e a necessidade de uma reforma agrária atrelada a um projeto de desenvolvimento sustentável, que privilegia o cooperativismo e a agroecologia.

Sérgio Moro e seu “ex-chefe”, Jair Bolsonaro

DIÁRIO POPULAR – A entrada de Moro no jogo político complica Lula, seu grande antagonista, ou prejudica Bolsonaro?

PATRUS ANANIAS – A entrada de Sérgio Moro no jogo político só comprova uma vez mais que o ele agiu politicamente para tirar o ex-presidente Lula da disputa eleitoral de 2018, favorecendo a eleição de Bolsonaro para a presidência da República, de quem Moro foi ministro da Justiça, deixando o governo para não ser demitido.

O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou o ex-juiz Sergio Moro parcial e suspeito contra o ex-presidente. O STF resgatou definitivamente a inocência de Lula, anulando as ações da Lava Jato de Curitiba, o que colocou o ex-presidente em condições de disputar as eleições de 2022, com os direitos políticos resgatados.

Com os primeiros movimentos de Moro, que se coloca para disputar a presidência da República ano que vem, mais uma vez é comprovada a intenção política dele no julgamento de Lula de destruir o maior líder do Brasil.

Sendo Bolsonaro e Sérgio Moro identificados com os partidos de direita e extrema-direita, a entrada confirmada da candidatura do ex-juiz, disputará votos com Bolsonaro nesses redutos conservadores.

As pessoas bem intencionadas que acreditaram tanto em Bolsonaro quanto em Sérgio Moro têm hoje a possibilidade de reavaliar essas duas trajetórias.  Bolsonaro levou o país a uma crise econômica, com a alta inflação; social, com a volta da fome e alto desemprego; e sanitária, com o agravamento da pandemia da Covid-19.

Sérgio Moro foi desmistificado, sendo revelados seus interesses políticos que resultaram na perseguição sistemática contra Lula, cujas acusações falsas foram repetidas intensamente na mídia, nas redes sociais e outros espaços; na prisão e cassação de seus direitos políticos, felizmente já recuperados, voltando a ser a esperança do povo na reconstrução do Brasil e liderando com grande vantagem as pesquisas eleitorais de 2022.

DIÁRIO POPULAR –  O negacionismo da vacina, do aquecimento global e as teorias conspiratórias ganharam espaço e muitos adeptos sob o governo Bolsonaro. É possivel mudar isso ou é uma consequência de pautas conservadoras que vieram para ficar?

PATRUS ANANIAS – O início de tudo isso se deu com o golpe contra a presidenta Dilma, em 2016, patrocinado pela elite capitalista financeira, industrial e agrícola e os interesses do governo norte-americano nas nossas riquezas, como as reservas petrolíferas do pré-sal. Essas forças de direita apoiaram e viabilizaram a eleição de Bolsonaro, de quem já conheciam as limitações, manifestadas ao longo de seus mandatos na Câmara, e com quem foi impossível manter qualquer diálogo, em nossos mandatos coincidentes.

Bolsonaro estimula a negação à ciência, que abrange várias áreas, como a a saúde, negando a vacinação contra a Covid-19; e a ambiental, negando o aquecimento global.

É preciso também considerar que o avanço da extrema-direita encampa esse negacionismo e ocorre também em outros países.

Acredito que essa linha de pensamento emergiu e tende a permanecer, mas restrita a grupos radicais.

Isso pode ser comprovado pelas recentes pesquisas eleitorais, que apontam a queda assustadora da popularidade desse desgoverno e do próprio Bolsonaro, decorrente também das consequências desse negacionismo, que provocou a morte de mais de 600 mil brasileiras e brasileiros pela Covid-19, mortes que poderiam ter sido evitadas se a população tivesse sido vacinada a tempo. A CPI da Covid recomendou o indiciamento de Bolsonaro pelo negacionismo em relação ao vírus e às vacinas, o que levou ao aumento do número de mortos no Brasil, segundo a própria Comissão do Senado.

As mesmas pesquisas indicam a vitória de Lula para presidente em 2022, o que demonstra que essas ideias negacionistas não vieram para ficar.

O povo brasileiro está atento e quer mudanças, quer a reconstrução do país, como a das políticas públicas que promovem a vida; a preservação do meio ambiente, o combate à fome e o estímulo à ciência, dentre outros avanços.

Mas precisamos ficar atentos porque essas mesmas forças que viabilizaram a eleição de Bolsonaro estão articuladas para que os interesses do capital, do lucro das empresas, estejam acima de um projeto de país que atenda aos mais pobres e à classe média.

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