(*) Thales Aguiar
Caros leitores, sabemos que vivemos na era da conexão digital, mas ironicamente, parece que nunca estivemos tão desconectados emocionalmente uns dos outros. Nas redes sociais, arenas de debates e até mesmo conversas em família tornaram-se campos minados de polarização. Espaços em que a empatia, um sentimento que deveria ser um fio condutor do entendimento humano, parece agir de forma seletiva. Reservada apenas àqueles que compartilham de nossas crenças, valores e visões de mundo. Mas por que somos tão rápidos em entender o sofrimento de uns e tão resistentes em acolher o de outros? Percebemos claramente que a construção de um mundo melhor depende da colaboração de todos nós, perdemos quando não aceitamos em ter empatia pelas pessoas. Mas é preciso entender porque nos separamos uns dos outros. Psicólogos como Jonathan Haidt, autor de The Righteous Mind (A Mente Moralista), sugere que desde os primórdios da humanidade, tendemos a formar grupos (ou “tribos”) baseados em identidade e ou afinidade. Pertencer a uma tribo era crucial para a sobrevivência, e isso moldou nosso cérebro para favorecer aqueles que vemos como parte do “nós” em detrimento do “eles”.
No contexto atual, “tribos” não são mais delimitadas por geografia ou necessidade física, mas por ideologias, crenças e valores. Quem pensa como nós é visto como aliado; quem discorda, como adversário. Assim, a empatia seletiva surgiu como uma resposta natural, porém distorcida: é mais fácil sentir compaixão por quem valida nossa visão de mundo do que por quem a desafia. Essa mesma dinâmica é amplificada pela polarização ideológica, um fenômeno crescente em sociedades contemporâneas. Estudos mostram por exemplo, que pessoas tendem a desumanizar adversários políticos, vendo-os não como indivíduos complexos, mas como caricaturas de suas crenças. Reforça estereótipos e aumenta o abismo entre grupos. A empatia seletiva também afeta questões sociais mais amplas. Quem nunca presenciou debates em que uma causa ou tragédia é minimizada simplesmente porque a vítima pertence a um grupo “do outro lado”? O sofrimento é universal, mas a empatia, ao que parece, tem fronteiras bem demarcadas.
A seletividade da empatia cobra um preço alto, tanto individual quanto coletivo. Do ponto de vista psicológico, a ausência de empatia genuína tem contribuído para o isolamento emocional e assim o desenvolvimento de doenças psicossomáticas. Quando restringimos nossa capacidade de entender e acolher os outros, limitamos também nosso próprio crescimento humano. Além disso, o reforço constante de preconceitos nos torna prisioneiros de nossas próprias bolhas, incapazes de enxergar a riqueza de perspectivas que a diversidade oferece. Coletivamente, a empatia seletiva agrava os conflitos e impede soluções colaborativas. Problemas globais como mudanças climáticas, desigualdade social e crises humanitárias exigem um esforço conjunto que transcenda divisões ideológicas. Enquanto persistirmos em nossa tendência de “escolher” quem merece nossa compaixão, perderemos a oportunidade de trabalhar juntos para enfrentar desafios que afetam a todos. Embora seja uma resposta instintiva, a empatia seletiva pode ser combatida com consciência e prática. O primeiro passo é reconhecer nossos vieses. Quando confrontados com uma opinião contrária ou uma pessoa de outro grupo, é importante nos perguntarmos: “Estou julgando essa pessoa apenas pelo que ela acredita? Ou estou desconsiderando sua humanidade?”
Outra ferramenta poderosa, já dizia Rubem Alves, é a escuta ativa, o poder da escutatória. Em vez de nos concentrarmos em rebater argumentos, podemos nos esforçar para entender as motivações e emoções por trás deles. Isso não significa concordar, mas simplesmente reconhecer que, do outro lado, existe um ser humano igualmente complexo e digno de respeito. As escolas são cruciais para que essa pedagogia possa funcionar. Ensinar crianças a valorizar a diversidade e a enxergar a diferença como algo enriquecedor, não ameaçador. Uma base que pode ajudar a construir uma sociedade menos dividida e mais empática.
No final das contas, é algo muito simples, a empatia não precisa ser uma escolha seletiva. Pode ser um compromisso universal, um exercício diário de nos conectarmos além das barreiras impostas por nossas crenças e identidades. Talvez nunca concordemos plenamente com o “outro lado”, mas isso não nos impede de reconhecer sua humanidade e, quem sabe, encontrar pontos de convergência. Afinal, em tempos de polarização, cultivar a empatia ampla e genuína não é apenas uma escolha moral, é uma necessidade para a sobrevivência da própria conexão humana.
(*) Thales Aguiar é jornalista e escritor