terça-feira, novembro 26, 2024
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Educadora social diz que público e personagem são um só no Teatro do Oprimido

“As crianças nascem pintoras, escultoras, músicas, mas a sociedade vai desconstruindo isso”, afirma Helen Sarapeck

Legenda: Helen Sarapeck falou sobre a importância do TO como aliado da luta contra preconceitos

IPATINGA – A educadora social, com experiência em Teatro do Oprimido, Helen Sarapeck acaba de concluir o curso do Teatro do Oprimido, ministrado online, a convite do Grupo de Teatro Farroupilha. As aulas compuseram a programação do Valores, Arte, Consciência e Cidadania, apoiado pela Prefeitura Municipal de Ipatinga, por meio da sua Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer (Semcel), via emenda impositiva, e Cras-3 Bom Jardim.

Helen é doutoranda e mestre em Artes Cênicas (Unirio), licenciada em Ciências Biológicas, com pós-gradução em Teatro na Educação (Uerj). Integrante do Centro de Teatro do Oprimido e fundadora do Grupo de Estudos em Teatro do Oprimido do Rio de Janeiro.

Como você define o Teatro do Oprimido?

Helen  Sarapeck – O Teatro do Oprimido é um método muito simples, baseado em uma  ideia de que somos teatro como essência humana, assim como todas as artes. As crianças nascem pintoras, escultoras, músicas, mas a sociedade vai desconstruindo isso na gente. Não há interesse da elite, de quem está na dominância da nossa sociedade capitalista, que a gente entenda da arte, que a gente expresse a nossa arte, pois ela é uma forma de comunicação fundamental para os seres humanos. Nós não falamos apenas com as palavras, mas como todo nosso corpo. A gente fala por meio da pintura, da escultura. A criança vai à praia e faz escultura, desenha; mas, quando adulta, diz que não sabe desenhar, não sabe cantar, não sabe pintar. A sociedade dominadora nos faz acreditar nisso, nos transfora em produtores e, não, em produtores de arte. O Teatro do Oprimido é o conjunto de jogos e técnicas simples que a gente pode usar para resgatar a nossa capacidade humana de fazer arte, teatro, rever a nossa vida, a nossa história oprimida. É teatro, mas também é político. Por meio dele, revemos as opressões que a gente sofre, bem como os outros grupos coletivos sociais. Por meio do TO, buscamos sair disso, lutar pela transformação social, não só do meu grupo, mas de outros que estão sendo oprimidos, em solidariedade a eles. Escolhemos um lado do mundo, dos oprimidos e, não, de opressores. O TO é um método descoberto, desenvolvido, sistematizado pelo dramaturgo Augusto Boal.

O que diferencia o Teatro do Oprimido dos demais gêneros?

Helen  Sarapeck – O Teatro do Oprimido se diferencia muito de alguns formatos de teatro e se aproxima muito de outros também. Ele não tem um estilo teatral. Pode ser feito de forma dramática, cômica ou usando a ironia como elemento fundamental, até clown, com palhaçaria, desde que observe os princípios básicos da metodologia, a discussão da sociedade por meio da ética e da solidariedade. Sempre com o intuito de fazer ações sociais concretas na sociedade, transformar a sociedade. O Teatro do Oprimido está longe de ser um teatro tradicional burguês, onde você vá sentar na plateia e ficar passivo. Ele está longe de um teatro que se pretende com uma caixa fechada. O Teatro do Oprimido vai reverter a história, com a atuação da plateia, que para o TO não é plateia, é gente que está na expectativa de atuar. Todos vão atuar, mesmo que não entrem em cena, eles voltam pra casa remoendo os temas abordados. Por isso, é um teatro transformador por meio da arte.

As relações sociais são permeadas por processos de resistência das pessoas oprimidas que não reconhecem essa sua condição. Como o teatro contribui para libertar quem não consegue identificar um opressor e suas atitudes como nocivas e ameaçadoras à cidadania, à vida?

Helen  Sarapeck – A metodologia é muito importante para que as pessoas se enxerguem oprimidas. Afinal, o teatro é feito com as pessoas oprimidas, para as pessoas oprimidas e sobre pessoas oprimidas. Trabalhar com pessoas que não conseguem enxergar sua condição de oprimida é fundamental. Damos oficinas para muitos grupos que não se percebem oprimidos. Por exemplo, ministrei uma oficina para um grupo de pescadores, e um deles não disse que nunca se sentiu oprimido, mesmo sendo negro, vitima de racismo. Por isso, foi questionado pelo grupo que participava dessa atividade e rendeu diálogos sobre essa sua postura. Ao final da oficina, ele disse que havia entendido tudo. Nesse sentido, é importante a gente perceber também o quanto somos opressores. O TO faz a gente se perceber como oprimidos e opressores. O fato de eu nascer branca, até um tempo, me fez ocupar essa posição de opressora, quando pensava que a minha verdade era superior. Um homem, quando nasce, já está na posição social de dominância, de superioridade, mesmo que sejam contra o machismo.

A oficina foi dividida em três encontros. O que foi trabalhado em cada momento?

Helen  Sarapeck – No primeiro encontro, apresentamos o Teatro do Oprimido como essência humana, da estética do oprimido e a não estar submetido à estética imposta pelo mundo. Fizemos jogos de construção de cena. Trabalhamos o teatro imagem, no qual não se usa a fala. Boal, quando estava exilado no Peru, precisou trabalhar com indígenas, com diferentes etnias. Então ele usou o corpo para se comunicar e percebeu a eficiência desse método, da imaginação corporal. Falamos sobre a árvore do TO, símbolo do método, a metáfora que carrega o método, focado na ética, solidariedade, transformação social e multiplicação.

Trabalhamos o teatro jornal, muito usado nos tempos da ditadura. Ele consiste na interpretação de notícias por meio do teatro.

Como você avalia os resultados do curso que compôs a programação do projeto do Farroupilha?

Helen  Sarapeck – Cumprimos nossas metas, seguimos o que programamos, e o grupo aproveitou as aulas com muita dedicação. Tivemos pessoas de várias partes do país, Goiás, Mato Grosso, Brasília, gente do Nordeste. O engajamento foi ótimo, mesmo sendo via online, e praticamente sem desistência. Aliás, Ipatinga já tem uma história com o Teatro do Oprimido, por ter sido uma das primeiras cidades onde Boal trabalhou a multiplicação do TO logo que o dramaturgo saiu do exílio. Por tudo isso, foi maravilhoso o curso, com todos os participantes agradecendo pela oportunidade de assistir às aulas, de participar das atividades, assim como eu, eternamente grata ao Grupo Farroupilha pelo convite e às alunas e alunos que participantes desse projeto lindo, Valores, Arte, Consciência e Cidadania.

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