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Desapega, Deltan

O principal procurador da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallgnol, revela uma “fominhagem” por dinheiro que é uma coisa assustadora

(*) Fernando Benedito Jr.

Em se tratando de uma operação cujo principal objetivo é o combate à corrupção, é curioso o apego do procurador Deltan Dallagnol ao dinheiro. É certo que a Lava Jato defende um estado capitalista e desigual, usurpador e mercantilista (por isso coroaram o golpe em Dilma com a prisão de Lula), mas a “fominhagem” de Dallagnol é muito escancarada. Começou com aquela história da Fundação Lava Jato, de US$ 2,5 bilhões. A fundação iria surgir do litígio entre Petrobras e Estados Unidos da América. Acusada de fraudar o mercado de ações, a estatal teria que pagar taxas milionárias ao país. Em vez disso, fez um acordo segundo o qual esse dinheiro seria investido na criação de uma fundação no Brasil, com o objetivo de organizar atividades anticorrupção. A Fundação Lava Jato só não foi à frente porque o negócio vazou, pegou mal para o pessoal de Curitiba e a Procuradoria Geral da República colocou um fim na história.

Na esteira dos vazamentos divulgados pelo site The Intercept, surgiram as denúncias de que Deltan Dallagnol queria aproveitar a fama proporcionada pela Lava Jato para lucrar. Montou um plano de negócios para ganhar dinheiro com eventos e palestras na esteira da fama e dos contatos (a network como eles chamam) conseguidos durante a operação. Em um chat sobre o tema criado no fim de 2018, Dallagnol e um colega da Lava Jato discutiram a constituição de uma empresa na qual eles não apareceriam formalmente como sócios, para evitar questionamentos legais e críticas. A ideia era usar familiares.

Os procuradores também cogitaram a criação de um instituto sem fins lucrativos para pagar altos cachês a eles mesmos, além de uma parceria com uma firma organizadora de formaturas para alavancar os ganhos do projeto.

LUCRAR COM A LAVA JATO

Pouco antes do primeiro aniversário da Lava Jato, em fevereiro de 2015, a dedicação de Dallagnol ao trabalho de palestrante já gerava descontentamento entre os colegas da Procuradoria em Curitiba. Em um chat com o procurador Carlos Fernando Santos Lima, no aplicativo Telegram, Dallagnol buscou justificar sua atividade, dizendo que ela compensava um prejuízo financeiro decorrente da Lava Jato.

“Estou a favor de maior autonomia, mas não me encham o saco, pra usar sua expressão, a respeito de como uso meu tempo. To me ferrando de trabalhar e ta parecendo a fábula do velho, do menino e do burro (…) E chega de reclamar dos meus cursos ou viagens. Evito dormir nos voos pra render. To até agora resolvendo e-mails etc”, desabafou Dallagnol.

“Essas viagens são o que compensa a perda financeira do caso, pq fora eu fazia itinerancias e agora faria substituições. Enfim, acho bem justo e se reclamar quero discutir isso porque acho errado reclamar disso”, continuou Dallagnol no mesmo chat.

A ideia de criar uma empresa de eventos para aproveitar a repercussão da Lava Jato foi manifestada por Dallagnol nos chats em dezembro passado. “Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade”, afirmou em conversa com a esposa. No mesmo mês, o procurador e seu colega na força-tarefa da Lava Jato Roberson Pozzobon criaram um chat específico para discutir o tema, com a participação das mulheres de ambos.

DINHEIRO DO INIMIGO

Noutro caso, The Intercept informa que Deltan Dallagnol foi pago para dar uma palestra para uma empresa investigada por corrupção pela Lava Jato, operação que ele comanda em Curitiba. Dallagnol recebeu R$ 33 mil da Neoway, uma companhia de tecnologia, quando ela já estava citada numa delação que tem como personagem central Cândido Vaccarezza, ex-líder de governos petistas na Câmara que foi preso em 2017, e em negociatas na BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras privatizada na terça-feira.

Além da remuneração, Deltan aventou a possibilidade da empresa de big data colocas suas ferramentas à disposição da Lava Jato, de preferência de graça. “Deltan também aproximou a Neoway de outros procuradores com a intenção de comprar produtos para uso da Lava Jato. Ele chegou a gravar um vídeo para a empresa, enaltecendo o uso de produtos de tecnologia em investigações – a Neoway vende softwares de análise de dados”, diz The Intercept.

A primeira citação à Neoway nos chats secretos da Lava Jato aconteceu dois anos antes da palestra de Deltan, em 22 de março de 2016, em um grupo no Telegram chamado Acordo Jorge Luz. O grupo fora criado para que os procuradores da Lava Jato discutissem os termos de delação de Jorge Antonio da Silva Luz, um operador do MDB que tentava negociar uma delação com a força-tarefa. Dallagnol participava ativamente do grupo.

Quando percebeu que os conchavos com a Neoway poderiam virar um “pepino” para ele, Deltan buscou maneiras de apagar as pegadas. Mas antes, o procurador afirmou que a companhia cogitava fornecer produtos gratuitamente e aproveitou para complicar ainda mais a situação, envolvendo o Ministério Público de Minas Gerais no enrolo. “Como fiz um contato bom aqui valeria estar junto. Eles estão considerando fazer de graça. O MP-MG está contratando com inexigibilidade”, entregou.

GRANA DE BANQUEIROS

Ainda demonstrando seu apego à grana, o procurador Deltan Dallagnol foi o destaque de um evento secreto com representantes dos bancos e investidores mais influentes do Brasil e do exterior. O encontro foi organizado pela XP Investimentos em junho de 2018. A representante da XP que contactou o coordenador da força-tarefa da Lava Jato prometeu que o bate-papo seria “privado, com compromisso de confidencialidade”, e destacou que já havia feito um evento parecido com o ministro do Supremo Luiz Fux: “não saiu nenhuma nota na imprensa”, garantiu.

Dallagnol e seus colegas discutiram, no Telegram, o potencial risco para suas imagens ao se sentarem com banqueiros, mas acabaram decidindo que valia a pena. “Achamos que há risco sim, mas que o risco tá bem pago rs”, escreveu Dallagnol em um chat privado com seu colega na força-tarefa, o procurador Roberson Pozzobon, em fevereiro de 2018.

O convite da XP Investimentos chegou a Dallagnol via Débora Santos, que se apresenta como “consultora/ analista de política e Judiciário” da empresa. No começo da conversa, ela diz que é esposa de Eduardo Pelella, que era o chefe de gabinete e braço direito de Rodrigo Janot quando Procurador-Geral da República. Antes de trabalhar na XP, Santos era assessora particular do Ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF.

No chat privado do Telegram, em conversa com Débora Santos, “Delta” ( como é conhecido entre seus pares) pergunta à queima-roupa:

– Débora, a ida dos ministros é remunerada como palestra?

Pô, desapega, doutor.

(*) Fernando Benedito Jr. é editor do Diário Popular.

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