domingo, novembro 24, 2024
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De Uber pela cidade

(*) Fernando Benedito Jr.

De um tempos para cá tenho utilizado com mais frequência os serviços do Uber, 99 e outros aplicativos de transporte, essa nova modalidade de emprego da pós-modernidade que aniquilou o trabalho no chão da fábrica tal qual o conhecíamos até a década de 90. Esses aplicativos ladrões de emprego, parece que são também ladrões de memória e de inteligência. Penso até que essa coisa que chamam de Inteligência Artificial veio para substituir a inteligência mental, o raciocínio lógico, dos humanos. Já tem o celular, então não precisa saber o número do telefone do outro, o nome da rua (o Google Maps e os GPS ensinam), a data do nascimento (o facebook lembra), o cardápio do restaurante, os dados bancários e tal.

Ainda não tive a oportunidade, nestas jornadas diárias pela cidade, de encontrar um motorista de aplicativo que seduzisse pela boa prosa. O último encrencou com um casal de meninas que atravessava a avenida. Uma delas tinha o cabelo pintado de azul. Olha só isso, pintar o cabelo de azul, é uma coisa terrível. Observa mais um pouco e nota que as duas estão de mãos dadas. E ainda são lésbicas. Você olha a pele e parece um tapete persa de tanta tatuagem. O rosto está cheio de lata, disse referindo-se aos piercing. E seguiu: não tenho nada contra ser homossexual, mas é claro que tanta coisa ruim numa só pessoa não pode levar a nada. Não vai dar nada que presta.

Achei o julgamento um tanto precipitado e com tato – diante de tanto preconceito junto, tive medo da reação – tentei retrucar dizendo que ser corrupto, assassino, miliciano, preconceituoso, racista eram os defeitos que precisavam ser combatidos, porque pintar cabelo de azul, usar piercing e se tatuar não prejudicavam ninguém e eram atitudes de pessoas pacifistas, honestas, etc, que não podiam ser julgadas por isso. Foi a mesma coisa que nada. O motoristas continuou os ataques e pedi para descer antes do local aprazado.

Menos radical, um outro cidadão uberizado defendeu a reforma da previdência, disse que é isso mesmo e que tem que acabar com a mamata. Aproveitou para defender também a reforma trabalhista, já que agora era um microempreendedor. E terminou a corrida contando que desde que perdeu o último emprego tinha que fazer Uber para complementar a renda porque a situação estava difícil e só com o salário atual não estava conseguindo pagar as contas. E Uber ajudava, não fosse a ideia estapafúrdia do governador de taxar os motoristas de aplicativos.

A ideia do novo imposto não foi adiante, mas deu pano pra manga. Foi a partir deste ponto, que outro trabalhador moderno iniciou a corrida dizendo que todos os políticos, juízes, deputados, ser colocados num saco e jogados no Pacífico (penso que queria dizer Atlântico, mas deixei por isso mesmo) e lembrei dos presos políticos argentinos lançados de avião nas águas do rio da Prata durante a ditadura. Tentei explicar que se não fossem esses políticos seriam outros e o povo é que que deveria escolher melhor, mas o camarada insistia em colocar todos no mesmo saco e desisti.

Seja como for, acho que preciso exercitar mais minhas caminhadas a pé pela cidade.

(*) Fernando Benedito Jr. é jornalista e editor do Diário Popular.

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