Cidades

De tragédia em tragédia, até a tragédia final

O novo crime da Vale só serve para revelar a desfaçatez capitalista com a vida humana e o descaso das autoridades com a exploração desmedida do meio ambiente

 

(*) Fernando Benedito Jr.

Antes de se refazer da tragédia criminosa da Vale em Mariana, o povo de Minas Gerais e do Brasil vê outra tragédia de proporções alarmantes com número muito maior de vítimas – que pode chegar a centenas –, se abater novamente sobre o estado. À tragédia ambiental que destruiu o rio Doce, seus afluentes, provocou danos irreparáveis em cidades ao longo da bacia do rio nos estados de Minas e Espírito Santo e  matou 19 pessoas, soma-se uma tragédia humana que dizimou centenas de vidas em Brumadinho.

Em números relativos, os tsunamis na Indonésia, os conflitos armados no Oriente Médio, os terremotos e maremotos ao redor do mundo fazem estragos e provocam desastres humanitários mais ou menos nas mesmas proporções. Tirando as guerras, que são provocadas pelo homem, os demais são fenômenos naturais, imprevisíveis, sobre os quais a ação humana nada pode fazer. Ainda assim, em países mais avançados, como o Japão, inúmeras medidas são tomadas para prevenir catástrofes, desde tecnologias de construções capazes de suportar abalos e tremores até ações de treinamento para evacuações, alertas, etc, em caso de desastres. Nos casos de Minas Gerais, não. O que importa é retirar minério e soterrar cidades e o povo junto.

Passado os três anos da ação criminosa da Vale em Mariana, criaram uma fundação para plantar árvores, fazer cisternas e fossas sépticas, indenizar aos poucos as famílias atingidas, minimizar o impacto da destruição nas comunidades ribeirinhas e outros paliativos registrados em documentários de pessoas risonhas e felizes. Nem mesmo as moradias das novas vilas que substituiriam aquelas soterradas pela lama ainda foram construídas. Problemas judiciais, entraves ambientais, essas coisas.

Na época, o Ministério Público confiscou o dinheiro da Vale. O juiz liberou. Os prefeitos exigiam o repasse diretamente, criou-se a tal fundação e foi aquele rame-rame que segue até a nova tragédia de Brumadinho e, possivelmente, se seguirá a uma outra e outra, até a tragédia final.

As autoridades políticas e judiciais falam e a Vale continua fazendo a mesma coisa. Extrai o minério e outras riquezas minerais, e constrói barragens de lama que se desfazem vez por outra, inundando vilas e matando todo mundo. Ninguém é responsável, ninguém é culpado, ninguém é preso. O poder do ouro assegura a impunidade, que assegura a roda viva do negócio ancestral.

Agora, a Vale diz que doará R$ 100 mil a cada família de vítima. É uma proposta ultrajante que revela quanto vale a vida para a Vale. Outros números dizem que a empresa perdeu R$ 71 bi no valor de mercado após a tragédia. Pois que afunde no atoleiro para nunca mais sair e leve junto seus bilhões. A ONU diz que não há tragédia, mas crime. A Procuradora da República quer punir os responsáveis. O governo, que antes queria flexibilizar a legislação ambiental, não sabe exatamente o que fará. O Ministério Público confisca milhões para eventuais pagamentos de danos.

Ainda é cedo para fazer qualquer conjectura sobre o que pode resultar do crime de Brumadinho, mas a julgar pela experiência de Mariana, os sicários do capitalismo vão continuar matando impunemente.

 

(*) Fernando Benedito Jr. é editor do “Diário Popular”.

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