Cidades

Comissão Nacional da Verdade debate o Massacre de Outubro

(Crédito: Tiago Florentino)

 

IPATINGA – A Comissão Nacional da Verdade em parceria com o Fórum Memória e Verdade do Vale do Aço e com a participação da Comissão Estadual da Verdade de Minas Gerais realizou ontem (7 de Outubro), uma audiência pública sobre os 50 anos do Massacre de Ipatinga, com o objetivo de dar voz aos sobreviventes e familiares de pessoas que morreram num dos episódios mais sangrentos que antecederam ao golpe militar de 1964. A audiência de ontem também teve o objetivo de esclarecer e apurar mais informações sobre os fatos ocorridos. A principal dúvida sobre o caso é quanto ao número de vítimas, que pode ser bem maior que o oficialmente relatado.

A assembleia pública, encabeçada pela coordenadora da Comissão Nacional da Verdade Rosa Maria Cardoso da Cunha, ouviu sobreviventes do massacre e seus familiares. O episódio, que aconteceu há 50 anos, no dia 7 de outubro de 1963, deixou um saldo oficial de pelo menos oito pessoas mortas com tiros de metralhadora. Os operários revoltosos foram abatidos pela Polícia Militar em um dos portões da Usiminas, onde faziam uma manifestação contra os maus tratos impostos pela siderúrgica e pelas empreiteiras contratadas para atuar na construção da Usina.

Estimativas do Fórum Memória e Verdade do Vale do Aço, organização da sociedade civil autora do pedido que levou à organização da audiência, apontam cerca de 30 mortos. A repressão que vitimou os trabalhadores constitui um dos episódios mais simbólicos das graves violações de direitos humanos, conjugados com atentados contra as liberdades civis, políticas e democráticas.

O estopim do Massacre de Outubro foi aceso um dia antes, após uma série de revistas abusivas e conflitos entre operários e vigilantes da empresa. No dia e noite anterior, os policiais e vigilância da Usiminas realizaram uma violenta ação de espancamento e prisão em torno de 300 operários nos alojamentos de Santa Mônica e Chicago Blitz. Diante do ocorrido, operários decidiram não entrar na Usiminas no dia seguinte e permaneceram em frente a um dos portões da empresa, exigindo melhor tratamento por parte da vigilância.

Pesquisa realizada pelo Grupo de Trabalho Ditadura e Repressão e pelo Fórum Memória e Verdade do Vale do Aço, revela que os trabalhadores da Usiminas na época eram submetidos a condições salariais, de trabalho e de vida precárias. Os trabalhadores eram mantidos sob uma rigorosa vigilância de sua vida privada, para que não saíssem do controle da empresa.

MOTIVOS
De acordo Adil Albano, ex-funcionário da Usiminas que presenciou o massacre, o conflito não foi causado somente pelo procedimento da vigilância, mas por uma série de situações. “É uma série de motivos que levou ao dia da ‘derrama’, a começar pelo relacionamento patrão e empregado, pelo procedimento da vigilância, pela má qualidade das refeições que eram servidas, pelo tratamento brutal e desrespeitoso da vigilância. Tudo isso foi se acumulando e os ânimos foram só se acirrando”, declarou Adil Albano.

EMPRESA
O representante da Usiminas encarregado em dar esclarecimento em nome da empresa, Afonso Celso de Lima Alves, da área de Relações Institucionais, alega que seu conhecimento sobre o assunto era pessoal, mas que se empenharia o máximo para responder todas as perguntas. Ele disse que a relação entre empregado e empregador evoluiu muito ao longo destes últimos 50 anos e que nada justifica os fatos ocorridos. Quando indagado pela coordenadora da Comissão Nacional da Verdade Rosa Maria Cardoso da Cunha, a respeito dos relatórios da Usiminas sobre o ocorrido e quem chamou a Polícia Militar no dia do massacre, Afonso apenas alegou que não tinha conhecimento sobre estes assuntos e limitou-se a responder quem era o presidente da empresa.
“Eu poderia até tentar recuperar isto, mas eu só lembro o nome do presidente da Usiminas que era o Dr. Amaro Lanari, mas não sei se foi ele quem chamou a polícia”, disse Afonso Celso.

Já o representante da Polícia Militar, o coronel Eduardo Freitas, diretor de Recursos Humanos da PM de Minas Gerais, alegou que toda informação que estiver sobre a responsabilidade da Polícia Militar será exposta sem nenhum problema ou constrangimento. Segundo ele, o inquérito resgatado e apresentado na assembleia foi de 20 militares indiciados e presos no mesmo dia do ocorrido.
As perguntas que não foram respondidas pelos representantes da Usiminas e da Polícia Militar serão formuladas formalmente através de um oficio às instituições, uma vez que a audiência não esgotou as investigações acerca do assunto e nova assembleia será marcada para discutir o assunto.

1ª assembleia sobre os 50 anos do Massacre de Ipatinga


Instalação causa polêmica ao retratar policiais assassinos
IPATINGA
– Uma instalação do artista plástico Amauri Krus aberta nesta segunda-feira (7) lembrou os 50 anos do Massacre de Ipatinga. A obra, intitulada “Foi mais que isso”, retratou um dos momentos emblemáticos do episódio, quando policiais sobre um caminhão teriam atirado contra os trabalhadores da Usiminas. Segundo os relatos da época, os tiros acertaram vários trabalhadores e também a pequena Eliane Martins, de três meses, que estava no colo da mãe e não resistiu ao ferimento.

O trabalho foi colocado na BR-381, altura do bairro Ferroviários, e chamou muita atenção de quem passou. Cruzes simbolizaram os nomes das sete vítimas oficiais do Massacre. Também foram utilizadas flores, tinta vermelha, representando o sangue derramado no conflito, e até marmitas, simbolizando os operários massacrados.

A representação de militares armados causou polêmica. Para compor o cenário, Amauri caracterizou dois bonecos com fardas similares às utilizadas hoje pela Polícia Militar. Dois policiais chegaram a ir até o local pedir que a imagem fosse retirada, mas a situação foi contornada após o comando da PM de Ipatinga ter sido acionado e autorizar o uso dos bonecos fardados. “Estou contando uma história, fazendo a releitura de um fato que aconteceu, eu não estou inventando nada”, defendeu o artista plástico.
A obra foi instalada na manhã de ontem e permanece disponível para visitação até as 18:00h desta terça-feira.

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