O ministro decidiu censurar apenas as referências a países estrangeiros na liberação do vídeo e na transcrição da reunião
BRASÍLIA – O ministro do STF, Celso de Mello, decidiu liberar o vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, citada pelo ex-ministro Sérgio Moro como prova da interferência do presidente Jair Bolsonaro no comando da Polícia Federal. Cabia ao ministro, que é relator do inquérito, decidir pela divulgação ou manutenção do sigilo da gravação.
O ministro do STF decidiu restringir o acesso apenas aos “às poucas passagens do vídeo e da respectiva degravação nas quais há referência a determinados Estados estrangeiros” que foram citados na reunião.
“Neste singular momento em que o Brasil, situando-se entre o seu passado e o seu futuro, enfrenta gravíssimos desafios, parece-me essencial reafirmar aos cidadãos de nosso País que esta Corte Suprema, atenta à sua alta responsabilidade institucional, não transigirá nem renunciará ao desempenho isento e impessoal da jurisdição, fazendo sempre prevalecer os valores fundantes da ordem democrática e prestando incondicional reverência ao primado da Constituição, ao império das leis e à superioridade ético-jurídica das ideias que informam e animam o
espírito da República.”, escreveu Celso de Mello em sua decisão.
A defesa do ex-ministro Sérgio Moro pedia pela divulgação na íntegra do material. Já a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República pediam que fossem liberados apenas trechos relacionados à acusação feita por Moro.
O ministro começou a ver o vídeo na segunda-feira (22), depois de receber o arquivo de uma equipe da Polícia Federal. Os peritos da PF já concluíram a transcrição do vídeo, que tem cerca de duas horas.
No dia 14 de maio, a AGU entregou ao STF trechos transcritos da reunião. Ao contrário do que o presidente Jair Bolsonaro vinha afirmando, ele citou o nome da Polícia Federal na reunião, pela sigla PF.
Relembre os trechos:
“Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações; eu tenho as inteligências das Forças Armadas que não têm informações; a Abin tem os seus problemas, tem algumas informações, só não tem mais porque tá faltando realmente… temos problemas… aparelhamento, etc. A gente não pode viver sem informação. Quem é que nunca ficou atrás da… da… da… porta ouvindo o que o seu filho ou a sua filha tá comentando? Tem que ver pra depois… depois que ela engravida não adianta falar com ela mais. Tem que ver antes. Depois que o moleque enchou os cornos de droga, não adianta mais falar com ele: já era. E informação é assim. [referências a Nações amigas]. Então essa é a preocupação que temos que ter: “a questão estatégica”. E não estamos tendo. E me desculpe o serviço de informação nosso – todos – é uma vergonha, uma vergonha, que eu não sou informado, e não dá pra trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final. Não é ameaça, não é extrapolação da minha parte. É uma verdade.”
“Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f. minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar, se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira”.
No período que antecedeu a decisão do ministro Celso de Mello, o presidente Jair Bolsonaro se manifestou algumas vezes contra a liberação total da gravação. Em transmissão feita por suas redes sociais no dia 14 de maio, o presidente pediu “sensibilidade” ao ministro de modo a não divulgar o vídeo. Na live realizada na quinta-feira 21, Bolsonaro voltou a falar sobre o assunto e disse que a publicização da reunião seria um “constrangimento”.
“Vão perder amanhã, estou adiantando a decisão do ministro Celso de Mello. Não tem nada, nenhum indício, de que porventura eu interferi na Polícia Federal naquelas duas horas de fita. Mas eu só peço, não divulguem a fita toda”, disse.
“Tudo que eu falei pode ser divulgado, exceto duas pequenas passagens, de 15 segundos cada uma, que a gente fala de política internacional e uma coisa, no meu entender, de segurança nacional e, obviamente, o que os ministros falaram, como não tem nada a ver com o inquérito, que não tornasse público, porque é um constrangimento… ficamos na informalidade, você brinca um com o outro, sai um palavrão… não é o caso de tornar público isso”, completou.
A gravação é uma das principais provas no inquérito aberto depois das acusações do ex-ministro Sérgio Moro, de que o presidente queria interferir no comando da PF em superintendências locais, como Rio e Pernambuco. O novo diretor da PF, Rolando de Souza, trocou a chefia da corporação no Rio tão logo assumiu o cargo. Souza foi nomeado para o cargo após o delegado Alexandre Ramagem ter o nome barrado pelo ministro Alexandre de Moraes.