Evento reuniu autoridades, profissionais de saúde, representantes da sociedade civil e usuários para discutir políticas públicas voltadas à população em situação de rua
IPATINGA – A internação involuntária de dependentes químicos em situação de rua foi tema de audiência pública realizada na terça-feira (8 de abril), na Câmara Municipal de Ipatinga. A iniciativa partiu de requerimento do vereador Matheus Braga (Requerimento nº 04/2025) e reuniu autoridades, profissionais da saúde, segurança pública, representantes de entidades e cidadãos diretamente impactados pela questão. O evento foi transmitido ao vivo pelo canal oficial da Câmara no YouTube.
O debate teve como pano de fundo a crescente preocupação de moradores, comerciantes e gestores públicos com a presença de pessoas em situação de rua que fazem uso abusivo de substâncias psicoativas em áreas centrais da cidade. Durante a audiência, foram ouvidos relatos de transtornos, furtos e insegurança, sobretudo em locais como a Avenida Maanaim e o Pontilhão do Veneza.

SAÚDE PÚBLICA
O vereador Matheus Braga afirmou que a internação involuntária deve ser compreendida como mais uma porta de acesso à saúde pública, destinada a pessoas que, segundo ele, “não têm condição, naquele momento, de decidir por si mesmas”. “Não estamos tratando apenas de moradores em situação de rua, mas de pessoas cuja dependência química chegou a um grau extremo. É uma pauta humanitária e também social”, declarou.
Para ilustrar o cenário enfrentado por comerciantes e moradores, foi exibido um vídeo com depoimentos de vítimas de arrombamentos e agressões atribuídas a dependentes químicos, além de relatos de pessoas que passaram pela internação involuntária e se consideram recuperadas. “O craque estava me matando, e eu estava matando meus filhos”, diz uma das entrevistadas.
LIMITES LEGAIS
Uma das principais vozes contrárias à adoção ampla da internação involuntária foi a defensora pública Marina Nogueira. Em sua intervenção, ela alertou para os riscos de violações de direitos humanos e destacou o marco legal da reforma psiquiátrica brasileira (Lei nº 10.216/2001), que prevê a internação apenas em casos excepcionais. “É uma medida extrema, que representa privação de liberdade de uma pessoa que não cometeu crime. A prioridade deve ser sempre o cuidado em liberdade”, afirmou.
A defensora também pontuou que associar automaticamente dependência química à criminalidade é um erro. “São situações que às vezes se interrelacionam, mas muitas vezes não”, afirmou, reforçando que o foco deve estar no fortalecimento dos serviços públicos como os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD).
AÇÕES INTEGRADAS
A delegada Ana Paula Passagli, representando a Polícia Civil, endossou a ideia de que o problema deve ser tratado como questão de saúde pública, não apenas de segurança. “A polícia atua quando o crime ocorre. Precisamos de políticas públicas fortes para prevenir o agravamento dessas situações”, disse.
Já o tenente Emílio Plaster, do 14º Batalhão da Polícia Militar, alertou para a complexidade do tema e defendeu a necessidade de distinguir entre usuários, moradores de rua e criminosos. “Não podemos generalizar. A vulnerabilidade não garante o direito de infringir regras, mas também não deve ser tratada com repressão indiscriminada”, afirmou.
A audiência pública sobre a internação involuntária de dependentes químicos evidenciou a relevância e a urgência do tema em Ipatinga
Conselho Municipal e profissionais de saúde pedem alternativas
A presidente do Conselho Municipal de Políticas Públicas sobre Álcool e Drogas, Fernanda Moraes, destacou que o município possui um programa específico desde 2015, que defende o cuidado baseado no respeito à dignidade e à reintegração social. “A internação involuntária não é solução. Precisamos de respostas intersetoriais e humanizadas”, afirmou.
A psicóloga Cristiane Nogueira, representante do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais, foi enfática em sua crítica às chamadas comunidades terapêuticas, que segundo ela, muitas vezes adotam práticas incompatíveis com os princípios do SUS. “Não são dispositivos de saúde pública. A liberdade é terapêutica”, declarou, sendo aplaudida por parte do público presente.
Executivo municipal aponta limites e desafios
Representando a Secretaria Municipal de Saúde, a coordenadora da Atenção Básica, Naiane Ferreira, falou sobre o trabalho do consultório na rua, equipe que presta atendimento direto à população em situação de rua. Ela reconheceu a necessidade de ampliar o alcance do serviço, mas informou que ainda não há definição oficial sobre internações involuntárias. “Nossa prioridade é garantir saúde, fortalecer o que já temos e ouvir sugestões”, afirmou.
Representantes da sociedade civil e setor empresarial se manifestam
O presidente da Associação Comercial de Ipatinga (Aciapi), Luíz Henrique Alves, ressaltou a preocupação dos lojistas com os impactos da insegurança e defendeu o equilíbrio na busca de soluções. “Não podemos generalizar, mas também não podemos ignorar a realidade. O comércio é vítima direta e precisa ser ouvido”, afirmou.
Também participou por videoconferência o presidente do grupo Novo Começo, Thiago Leite, defensor da internação involuntária com base em sua experiência pessoal. “A maior prisão não é a clínica, é a dependência química. Ela destrói o indivíduo por dentro e afeta todos ao redor”, disse.
Possíveis encaminhamentos
Embora nenhum encaminhamento formal tenha sido deliberado ao fim da audiência, o vereador Matheus Braga indicou que pretende levar adiante a discussão junto ao Executivo Municipal, em especial no tocante à possibilidade de adoção da internação involuntária como mais uma medida complementar dentro da rede de atenção à saúde mental. O parlamentar também solicitou publicamente à Secretaria de Saúde informações detalhadas sobre como o tema vem sendo tratado internamente e sugeriu que futuras ações possam envolver o fortalecimento do consultório na rua, criação de novos serviços e formalização de parcerias com comunidades terapêuticas.
Além disso, foi sinalizada a intenção de produzir um relatório da audiência, com a síntese dos argumentos apresentados, que poderá ser encaminhado ao prefeito, às secretarias envolvidas e ao Ministério Público, como instrumento de acompanhamento da pauta.