A cidade vai muito além de seus espaços icônicos, mas é preciso se perder e se encontrar em longas caminhadas para conhecer melhor os seus encantos
Fernando Benedito Jr.
(DA REDAÇÃO) – A Cidade Autônoma de Buenos Aires faz jus ao epíteto de “Paris da América Latina”, mas tem seus próprios encantos que não precisam de referência em nenhum outro lugar do mundo, embora os portenhos pareçam gostar destas comparações. O Obelisco na avenida 9 de julho, por exemplo, tem um quê de Washington, assim como a Casa Rosada de um lado e o Congresso da Nação de outro – interligadas pela avenida de Mayo –, como na capital norte-americana. Considerando que os argentinos são muito nacionalistas, pode-se atribuir tais referências a meros arroubos arquitetônicos. Pequenas soluções criativas dos arquitetos estrangeiros de antão.
GRANDIOSA
Às margens do rio da Prata, há muito que se ver da originalidade portenha. E a elegância do que se inspira no Velho Mundo remete ao passado colonial que, naturalmente, deixou seu legado pelas ruas da cidade.
Buenos Aires é naturalmente grandiosa e elegante. Efervescente e culturalmente ativa. A crise econômica é um fenômeno conjuntural ainda que esteja demorando a passar. Enquanto não passa, a cidade convive entre a elegância e a mendicância
Mas, certamente, o País vai superar esta situação de instabilidade e retormar o caminho do desenvolvimento e do equilíbrio.
Enquanto isso, os viajantes têm uma oportunidade única de ajudar a economia argentina ao mesmo tempo que enriquecem seus conhecimentos com o vasto patrimônio cultural e a atmosfera envolvente que se respira na cidade de Buenos Aires.
CAMINHADAS
Andar a pé pela cidade é um programa imperdível para se conhecer melhor os belos prédios centenários, suas cúpulas e portas grandiosas; as estátuas equestres de personalidades históricas, libertadores e fundadores da cidade; as contradições arquitetônicas dos edifícios em estilo eclético ou art-deco, convivendo com o modernismo; os inúmeros parques e jardins entre os quais destacam-se o Jardim Japonês, o Alvear, a Plaza de Mayo.
TEATROS
Entre as atrações da cidade está o Teatro Colón. Trata-se de uma das mais importantes casas de ópera do mundo. Seu histórico rico e prestigiado e a excepcional acústica e características arquitetônicas de seu edifício o colocam ao nível de teatros como La Scala em Milão, Ópera de Paris, Ópera Estatal de Viena, Covent Garden de Londres e Metropolitan Nova York.
Em sua primeira sede, o Teatro Colón funcionou de 1857 a 1888, ano em que foi fechado para a construção de uma nova sala. Foi inaugurado em 25 de maio 1908 com uma apresentação de “Aída”, de Verdi.
Não muito longe dali está o Teatro Metropolitan e inúmeras outras casas de espetáculos, que movimentam a avenida Corrientes madrugada adentro.
GASTRONOMIA
Os viajantes tropeçam em cafés, bares e pizzarias, onde as sagradas empanadas reinam absolutas.
Aliás, a gastronomia portenha é outro atrativo da cidade. É tão eclética quanto a arquitetura, como se pode ver numa caminhada ao longo do cais de Puerto Madero, repleto de restaurantes. Mas, as empanadas não reinam absolutas. Na verdade, a “pièce de resistance” da culinária argentina, como se sabe, é o assado. E o chorizo é um corte tão popular por lá quanto a picanha para os brasileiros. São tantos os restaurantes que é difícil escolher, sejam os estrelados ou os comuns. Arriscar é uma opção.
LA BOCA
As ruas e becos de El Caminito escondem muitas surpresas (inclusive restaurantes e adegas), mistérios e encantos. La Boca é outro lugar para ir com calma e, se for o caso, voltar mais de uma vez. A atmosfera portenha se revela aí com intensidade, em cores, arte, cheiros e sons. Sons de tango. Bairro onde fica o estádio La Bombonera, casa do Boca Juniors, La Boca também é dominado pelas imagens de Messi e Maradona, em estátuas, pinturas, souvenirs e grafites. A idolotaria e o culto aos jogadores está acima do Papa e de Gardel, para citar outros dois ícones argentinos.
PUERTO MADERO
Até os anos 80, quem chegava a Puerto Madero podia se admirar com a ampla vista do rio da Prata, claro, sem enxergar a outra margem, dada a enormidade do rio-mar. O velho navio-museu da Armada Argentina já estava ali, dominando imponente o imenso rio. Atualmente, continua lá. Mas, a região foi gentrificada e dominada por edifícios-sede de grandes corporações financeiras, big-techs e companhias multinacionais. Agora, fica num dos canais fechados por diques que escondem a imensidão do rio da Prata dos turistas apressados. Fora da rota normal ainda é possível vê-lo, mas, antes tem-se que desvendá-lo, o que se faz caminhando para descobrir os restaurantes e o Hard Rock Café nos antigos armazéns do cais, onde a Ponte da Mulher domina a paisagem, junto com os velhos guindastes que pontificam ao longo do cais para demarcar e definir o espaço.
SAN TELMO
O bairro de San Telmo e seu mercado é um roteiro quase necessário, seja pela arquitetura do bairro, pelas construções com pátios que escondem pequenos hotéis, cafés e restaurantes; ou pelo charme histórico das ruas de pedras e casarios antigos. Foi em San Telmo, ao sul do centro da cidade, que a expedição comandada por Pedro de Mendonza estabeleceu em 1536 a Ciudad de Nuestra Señora Santa Maria del Buen Ayre, em homenagem a Nossa Senhora de Bonaria (Padroeira da Sardenha).
É uma atmosfera colonial que se respira pelas ruas e na feirinha de San Telmo, assim como em El Cabildo, na Plaza Mayo.
PLAZA DE MAYO
Na Plaza de Mayo, além de El Cabildo, a primeira prefeitura, igreja, tribunal e prisão da cidade, construída em estilo colonial espanhol, em frente à Casa Rosada, a sensação arrepiante que se tem é outra. É a das lutas pelas mães e avós dos presos políticos desaparecidos durante o regime militar e das inúmeras outras batalhas travadas no lugar. Atualmente, pedras com os nomes das vítimas da pandemia de Covid-19 foram colocadas aos pés da imponente estátua equestre de Belgrano, protegidas por uma cerca de vidro. No chão, desenhos estilizados de lenços que lembram as mães e avós da Praça em suas manifestações diárias, corajosas e ousadas, em frente à Casa Rosada.
LA RECOLETA
Se a Praça de Maio é o epicentro dos encontros dos movimentos e das lutas populares na capital Argentina, na Recoleta está o outro extremo das diferenças sociais e econômicas da cidade. No Cemitério da Recoleta estão sepultadas as principais personalidades da história, das artes e da literatura nacional.
As sepulturas são verdadeiras obras de artes com suas estátuas rococó e mausoléus que guardam os restos mortais de Bartolomé Mitre, Evita, Bioy Casares, Carlos Saavedra Lamas, Raul Alfonsin, William Brown e outros ilustres argentinos.
No Café La Biela, cujo nome é uma homenagem aos pilotos de carros de corrida que o frequentavam antes de se tornar o ponto de enconro preferido de Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares, respira-se o ar da riqueza e também da intelectualidade portenha. Nas imediações do La Biela está o Cemitério da Recoleta, o Centro Cultural e a praça. Ao redor, os edifícios de hotéis cinco estrelas, mansões e sedes de inúmeras embaixadas, entre as quais a do Brasil.
CULTURA
Museus, sebos, livrarias e cafés são espaços imperdíveis de Buenos Aires, mas são muitos e exigem escolhas bem feitas e algumas idas e vindas para conhecer os melhores. O Museu de Arte Latino Americana de Buenos Aires (MALBA) é um deles, com suas exposições de arte moderna e contemporânea e um acervo riquíssimo que inclui vários artistas brasileiros como Portinari, Di Cavalcanti e Anita Malfatti, além de contemporâneos. No MALBA está exposto o Abaporu, um clássico do modernismo brasileiro arrematado pelo fundador do Museu, o bilionário argentino Eduardo Constatini.
A Livraria El Ateneo, que ocupa o espaço do antigo teatro El Gran Splendid, é considerada uma das mais bonitas do mundo e uma das maiores da América Latina. O edifício foi projetado pelos arquitetos Peró e Torres Armengol para o empresario Max Glücksmann (1875-1946) em estilo eclético e aberto em maio de 1919. Possui um acervo de mais de 120 mil livros e é realmente esplêndida.
Buenos Aires vai muito além de seus espaços icônicos. A melhorar maneira de conhecê-los é se deixando surpreender, se perder e se encontrar em longas caminhadas. Saudável em todos os aspectos.